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Arcângelo R. Buzzi
Leonardo Boft
FICHA CATALOGRAFICA
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RI.
Bibliografia.
1. Eshnunna - História 2. Leis de Eshnunna
I. Bouzon, Emanuel 11. Série.
CDU - 340.134(354)
81-0188 935.4
'----------------------------- --
EMANUEL BOUZON
AS LEIS DE ESHNUNNA
Introdução
Texto cumiforme em transcrição
Tradução do original cuneiforme
e Comentários
Petr6polis
1981
Sumário
Apresentação, 9
Lista de abreviaturas, 11
11. As Leis, 52
9
melhor compreensão da lei em questão, bem como para situá-Ia
em seu contexto vital.
A cronologia babilônica é, ainda hoje, um problema não
totalmente resolvido da assiriologia. Existem praticamente três
sistemas de datação: a cronologia longa, a média e a curta.
Pode-se notar, claramente, a diferença existente entre eles, com-
parando-se as diversas datas atribuídas ao reinado de Ham-
murabi. Assim a cronologia longa data o reinado de Hammurabi
entre os anos 1848-1806 a.c.; a cronologia média entre 1792 e
1750 a.C. e a curta entre 1728 e 1686 a.C. Adotei neste trabalho
a cronologia média, hoje a mais aceita graças aos argumentos e
explicações de seus defensores, embora no «Código de Ham-
murabi» ainda tenha trabalhado com a cronologia curta (Cf.
para uma visão panorâmica do problema: P. OareIli, Le Proche-
Orient Asiatique p. 227-239).
A todos que me incentivaram e ajudaram neste trabalho vai
aqui o meu sincero agradecimento. Um agradecimento todo espe-
cialcabe, sem dúvida, ao colega e amigo Prof. Dr. Jean Bottéro,
Paris, pelos proveitosos diálogos em Oif-sur- Yvette e pela
bondade de colocar sua ótima biblioteca particular à minha
disposição.
«Last but not least», menciono agradecido a bolsa de pes-
quisador concedida pelo «Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico» (CNPq), que tornou possível uma
dedicação mais intensa a este trabalho.
11
I. Introdução
13
vista ortográfico, como textual. A tábua «A» é a mais completa.
A «B» apresenta uma escrita mais clara e mais bonita, mas está
em estado mais lacunar do que a «A», faltando várias linhas.
As duas tábuas, contudo, de alguma maneira se completam.
Elas contêm um corpo de leis, que A. Ooetze dividiu em sessenta
parágrafos.' A introdução, bem como os diversos parágrafos
legais, mencionam diversas vezes o reino de Eshnunna, o que
levou Ooetze a concluir tratar-se do corpo de leis do reino de
Eshnunna. Além disso as duas tábuas foram descobertas na loca-
lidade onde outrora estava situada a cidade de Shaduppum,
que pertencia ao reino de Eshnunna.·
A tábua «A» foi encontrada na sala cinco do assim chamado
«serai»· sob o pavimento da camada arqueológica 11. A tábua T
14
«A» parece um pouco mais antiga do que a «B». Mas uma
determinação mais exata da data decomposição das duas tábuas
não nos é possível.
As tábuas 1M 51.059 e 1M 52.614 não são, contudo, o texto
original das leis de Eshnunna. Não se sabe, até hoje, se \?
texto original dessas leis foi esculpido em alguma estátua, eomó
as leis de Hammurabi, ou em alguma pedra. As duas tábuas
que possuímos são cópias de textos anteriores. Provavelmente
não são, nem mesmo, cópias oficiais. 12 Elas apresentam, aqui
e ali, pequenos erros de cópia, corrupções do texto e diferenças
textuais entre si, que dificilmente se encontrariam em um texto
oficial e muito menos no texto original. 13 As duas tábuas, 1M
51.059 e 1M 52.614, são, certamente, o produto de uma escola
de escribas, onde o texto das leis era recopiado, muitas vezes,
para servir na formação literária e jurídica dos futuros escribas
e funcionários públicos.
15
rei Ibbi-Sin, pnslOneiro, para o Elam.16 Com a queda de Dr
desaparecia o centro de unidade da Mesopotâmia. Durante os
séculos XX, XIX e começos do século XVIII, o quadro político
da Babilônia é marcado pelo aparecimento de uma série de
dinastias locais, dominadas por semitas, entre as quais se des-
tacavam Isin, Larsa, BabeI e na região do rio Diyala, um
afluente do Tigre, o reino de Eshnunna.
A presença de povos semitas no cenário político da Meso-
potâmia data, contudo, de época bem mais antiga. Já no período
conhecido entre os assiriólogos como «frühdynastische Zeit» 17
16
semitas estavam, provavelmente, relacionados com os grupos
acadianos, que pelo norte, mais especificamente pela Síria, en-
traram na Mesopotâmia, estabelecendo-se na região do Diyala
e penetrando, aos poucos, no norte da Babilônia, onde forma-
ram em Kish um grande centro semita. No período «frühdy-
natisch 11», pelo ano 2700 a.C., esses grupos nômades já se
tinham tornado completamente sedentários e podiam assim in-
fluenciar de maneira decisiva na arte e na cultura da região
norte da Babilônia. A influência semita vai crescendo tanto na
Babilônia, que pelo ano 2340 a.C. Sargão (acad. sarru kên =
«rei verdadeiro») consegue estabelecer a primeira dinastia se-
mita na história da Babilônia. Sargão
20 construiu para
sua capital a cidade de Acade, cuja exata localização
os é até hoje desconhecida. Provavelmente, ela foi construída
às margens do Eufrates, perto das antigas cidades de Sippar e
Kish. O caráter neutro da nova capital facilitava, sem dúvida,
a tarefa de união do norte da Babilônia com as tradições sumé-
rias do sul. Sargão e seus descendentes conseguiram manter
unida a Babilônia sob o seu cetro durante cerca de cento e
quarenta e dois anos. Depois do desaparecimento trágico do
último descendente de Sargão, Sharkalisharri, em 2198 a.c., o
reino entrou em desagregação e a região foi dominada por um
grupo de bárbaros chamados «guti». Pelo ano 2120 a.C. o
>.t
25. I. J. Gelb, Sargonic Texts from the Diyala region, Chicago 2 1961,
n. 235 (Kh 1934,40 = A 22.029): 3; 275 (A 7.772): 3; 318 (A 7.861): 12.
26. Cf. D. O. Edzard, Fischer Weltgeschichte, vaI. 2, p. 70.
27. Cf. P. GareIli, Le Proche-Orient Asiatique, p. 99s. Cf: tb. H.
Frankfort, S. LIoyd, Th. jacobsen, The Gimilsin Temple and the Palace
of the Rulers at TeIl Asmar, p. 196.
28. Cf. H. Frankfort, S. LIoyd, Th. jacobsen, The Gimilsin Temple
p. 196. Cf. tb. H. Frankfort, Th. jacobsen, C. Preusser, TeIl Asmar and
Khafaje - OIC 13 - p. 51-59.
29. Urgedinnaaparece como ENSí de Eshnunna no ano 31· de
Shulgi, i.é: pelo ano 2062 a.C. Bamu é mencionado no ano 46 de Shulgi,
i.é: pelo ano 2047 a.C. d. The Gimilsin Temple, p. 196.
30. Os textos aludem a KaIlamu como ENSí de Eshnunna no ano 47
de Shulgi, i.é: pelo ano 2046, no nono ano de Amar-Suen, que reinou
de 2045-2037, e pelo ano 2036 a.C. Cf. C. E. Keiser, Selected Temple
Documents af the Ur Dynasty (YOSB IV) n. 61 :5.
18
eram, ao mesmo tempo, os antigos xeques das respectivas tribos.
Destarte a Babilônia se dividiu em numerosas cidades-reinos
rivais entre si. 3I A unidade política .da Babilônia só foi resta-
belecida, novamente, por Hammurabi, muitos anos depois.
Foi justamente no período entre a queda da dinastia de Ur
(-t- 2003 a.c.) e o começo do reinado de Hammurabi (-t- 1792
a.c.) que Eshnunna conheceu momentos de grande expansão
territorial, e conseguiu entrar de maneira determinante no cená-
rio político da Babilônia.
Essa nova fase de Eshnunna começou sem dúvida com o
ENSí Kirikiri. Seu nome não é nem de origem suméria, nem
semita. H. Frankfort levanta a possibilidade de que Kirikiri tenha
entrado na Mesopotâmia com os exércitos elamitas e tenha
recebido Eshnunna como parte na divisão dos despojos. '" Mas
nada sabemos, ao certo, sobre a origem de Kirikiri. Conhece-se
39
20
_:--õ:guido controlar as cidades Ká-'lli-ba-um e Bàd-barki• Bila-
~ é conhecido também como o reconstrutor do templo
':::-':J<IL de Eshnunna, dedicado a Tispak, o deus principal da
::; e. Em uma das fórmulas de datas do governo de Bilalama
_: :~: «Ano em que Bilalama, ensí de Eshnunna, construiu o
~: IL de Tispak»." Esse fato foi, também, registrado em
pequena inscrição encontrada em alguns tijolos do palácio,
_ estavam destinados originariamente, sem dúvida, à constru-
-- do templo: «Para Tispak, seu senhor, Bilalama, seu amado
~:.;:. ~\\'J\"à.ü\), ~\\~\ Ü~ E~\\w,m\\"à., c.\)\\.~~x\\.\\\. É-SlKlL, C\\\.e ek
~ô.~ .•.•. 'b\.\"à.\"à.\\\"à.'i~\:.'0\\'S\\.\\.\.\\., \â.\\\'uíc\\\, '0 );)â.\'o.\:.\.'0~~ ~'S\\\\\\.\\\\"à. ~
~::ê.. ou para uso profano o antigo templo dedicado ao rei de Dr,
::':.:-Sin . ..,
A arqueologia mostrou que, durante o governo de Isharra-
-2shu, sucessor de Bilalama, o palácio de Eshnunna foi incen-
:::ê o. Esta catástrofe se deve, provavelmente, a uma invasão
46
21
Der, na reglao oriental do rio Tigre.47 Como sucessor de Ishar-
ramashu aparece um tal U1?urawasu, provavelmente idêntico com
o homônimo mencionado em duas tábuas cuneiformes de TeU
Asmar como um habitante de Der e enviado de Anumutabil."
Mas a independência de Der deve ter terminado durante o rei-
nado de Iddin-Dagan (-t- 1974-1954 a.c.), já que seu filho
Ishme-Dagan, antes de assumir em 1953 a.c. o trono de Isin,
foi governador de Der."
As fontes mencionam dois personagens portadores de nomes
sumérios como ENSí de Eshnunna depois de U1?urawasu. O pri-
meiro, Ur-Ninkimara, reconstruiu o palácio do governo. '" Do
segundo, Urningishzida, não sabemos praticamente nada mais do
que o nome. O nome sumério não significa nada em relação à
origem etnológica dos dois personagens, já que era costume
entre os semitas adotarem nomes slimérios. O governo de Ur-
Ninkimara parece coincidir cronologicamente com o reinado de
Gungunum (-t- 1932-1906 a.c.) de Larsa.!1l Este rei, aprovei-
tando a fraqueza política de Lipit-Ishtar (1934-1924) a.C.)
e principalmente de Ur-Ninurta (1923-1896 a.C.), tentou supe-
rar a hegemonia de Isin e fazer de Larsa o centro político da
época. 62
23
divino «DINGIR», o que significa que esse soberano, seguindo
o exemplo dos reis da terceira dinastia de Ur, se fez divinizar
em vida, provavelmente após suas conquistas militares, quando
assumiu também o título «LUGAL = rei».
Seu filho Narãmsin sucedeu-o no trono e estendeu a influên-
cia de Eshnunna, no norte, até à região do rio Habur. Em uma
inscrição descoberta nas escavações de TeU Asmar lê-se:
«dNarâm-dSin, rei forte, rei de Eshnunna, amado de Tispak,
filho de dIpiq-dAdad».62 Por esta inscrição pode-se concluir que
Narãmsin também foi divinizado em vida, como se deduz pelo
uso do determinativo «DINGIR» antes de seu nome. Além disso
encontra-se aqui, pela primeira vez, °
título LUGAL es-nun-naki
= «rei de Eshnunna». Pelo ano 1820 a.C. subiu também ao
trono de Assur, conseguindo assim, por algum tempo, unir sob
seu governo Eshnunna e a Assíria. Morreu relativamente cedo,
sendo substituído no trono de Eshnunna pelo seu irmão Dadusha,
no ano 1815 a.C. aproximadamente. Como seu pai e seu irmão,
ele também foi divinizado em vida. 63 Continuou a política
expansionista de seus antecessores, mas teve seu campo de ação
limitado pela presença política e militar do novo rei da Assíria,
Shamshi-Adad I. Pelo material arqueológico encontrado em
&1
24
potâmia justamente em um período de transição. A queda de
Ur e da terceira dinastia de Ur privara a região de uma força
centralizadora. Uma unidade política verdadeiramente estável só
reaparecerá na Mesopotâmia com o reinado de Hammurabi. Esse
período de cerca de duzentos anos entre a queda de Ur e a
ascensão política de Hammurabi é, em geral, denominado, pelos
assiriólogos, o tempo de lsin-Larsa. 7' É um tempo em que se
multiplicaram as pequenas dinastias semitas na região. Os su-
mérios, antigos habitantes da região, foram, sob o ponto de vista
político, completamente derrotados. Mas permaneceu a herança
cultural e religiosa do's sumérios, que marcou' profundamente os
estados semitas que surgiram naquela época. Os semitas não
entraram na região com fúria iconoclasta, tentando destruir à
força tudo que fosse costume ou tradição suméria. Pelo contrá-
rio, procuraram integrar a cultura e a religião suméria na própria
cultura e religião. Eles prepararam, assim, o terreno para aquele
tipo de cultura bilíngüe que se tornou uma constante da cultura
babilônica.
27
proclamação de sua legislação." Até o período babilônico antigo,
pelo menos, a finalidade da fixação por escrito e proclamação
de coleções de leis parece ter sido, pois, corrigir abusos e resta-
belecer a justiça. Essa proclamação era feita, provavelmente, em
uma estela colocada no templo do deus principal da cidade. Hoje
possuímos apenas a estela de diorito, conservada no museu do
Louvre, com a legislação de Hammurabi. Mas sabe-se pelo
epílogo das leis de Lipit-Ishtar que seu original foi igualmente
escrito em uma estela, embora hoje conheçamos somente cópias
desse original, provenientes da cidade de Nippur.83 Ê, portanto,
provável que o original das leis de Eshnunna também tenha sido
escrito em uma estela. Contudo, atualmente, possuímos apenas
as duas cópias em tábuas de argila.
A estrutura literária dos complexos legais mais antigos da
Babilônia apresentava normalmente uma divisão tripartida em
prólogo, corpo legal e epílogo, como se pode constatar nos
«códigos» de Ur-Nammu, Lipit-Ishtar e Hammurabi." Como não
possuímos o texto original das leis de Eshnunna, não nos é
possível saber se tinham originariamente a mesma estrutura dos
«códigos» contemporâneos. As duas tábuas 1M 51.059 e 1M
52.614 mostram uma formulação diferente. As sete linhas em
língua suméria que a tábua «A» (1M 51.059) coloca à guisa
de introdução não apresentam as características de um prólogo.
Essa parte deve ser considerada como uma fórmula de data-
ção.8O Após essa fórmula introdutória seguem as prescrições
legais escritas em língua acádica. Nem a tábua «A» nem a tábua
«B» nos transmitiram um epílogo.
A divisão em sessenta parágrafos foi feita por A. Goetze",
seguindo aspectos puramente formais, como por exemplo o uso
da partícula acádica summa = «se». Por isso, depara-se com
82. Cf. ANET3, p. 159: « ... when Anu (and) EnlH had called Lipit-
Ishtar - Lipit-Ishtar, the wise shepherd whose name had been pronoun-
ced by Nunamnir - to the princeship of the land in order to 'establish
justicein the land, to banish complaints, to turn back enmity and rebel-
lion by the force of arms, (and) to bring wellbeing to the Sumerians and
Akkadians ... »
83. Cf. J. Klima, art. «Gesetze» em Reallexikon der Assyriologie, voI.
3, p. 248. Cf. tb. ANET 3, p. 161: «VeriIy when I hadestablished the
wealth of Sumer and Akkad, I erected this stela».
84. Cf. J. Klima, art. cit. p. 243s.
85. Cf. B. Landsberger, em art. «Jungfrãulichkeit», p. 65s.
86. Cf. acima p. 14.
28
"'" anomalia de uma divisão como § 18 e § 18a. E, por outro
~ErlO encontram-se diversos parágrafos que, na realidade, for-
=.a:n uma unica lei." A formulação mais comum dos parágrafos
§ ;:-=rI estilo casuístico, introduzido pela partícula summa = «se»,
~e é seguida, em geral, pelo sujeito «awl1um». Alguns pará-
~afos, contudo, apresentam uma formulação apodítica", outros
';"0 tabelas de preços, tarifas e salários. 89
29
Uma análise crítica das tábuas «A» e «B» detecta três
grandes divisões ou grupos temáticos no complexo de leis de
Eshnunna."
O primeiro grande grupo abrange os §§ 1 a 14 e trata de
preços, tarifas e aluguéis. Nos §§ 1 e 2 o legislador determina
os preços máximos permitidos para gêneros de primeira necessi,.
dade como cevada, óleo, lã etc... Seguem nos §§ 3 e 4 as
tarifas para aluguel de um carro de boi e de um barco e o
respectivo salário de seus condutores. Os preços são calculados
nos dois veículos de pagamento da época: cevada e prata. Os
§§ 7 e 8 determinam o salário mínimo de duas classes de tra-
balhadores do campo: o ceifador e o joeireiro. O § 9 decide
como proceder com um mercenário contratado para trabalhar
na colheita e que não cumpriu o seu contrato. O § 10 trata da
tarifa de aluguel de um jumento e seu condutor. Já o § 11 fixa
o salário mínimo mensal de um LÚ. trUN.GÁ, i.é: de um mer-
cenário. O § 14 estipula para o alfaiate uma remuneração· pro-
porcional ao valor da roupa confeccionada. A inclusão neste
grupo dos §§ 5 e 6, bem como dos §§ 12-13, parece perturbar
a ordem lógica natural dos assuntos tratados. Deve-se, con-
tudo, explicar a presença desses parágrafos neste contexto certa-
mente pelo fenômeno de atração. As palavras chaves «barco» e
«barqueiro» do § 4 atraem para este 'COntexto o § 5, que se
refere à responsabilidade de um barqueiro, se por sua negligên-
cia o barco afunda, e o § 6 que pune o uso indevido (furtum
usus) de um barco. Pelo mesmo motivo pode-se também, expli-
car a introdução dos §§ 12 e 13 neste contexto O assunto
«colheita» tratado nos §§ 7 a 11 atrai a lei que pune o awilum
que for surpreendido no campo de um muskenum junto dos
feixes de grão. O § 14 estende a casuística tratada rio § 13 à
casa do muskenum.
O segundo grande grupo, o mais extenso, abrangendo os
§§ 15 a 41, reúne as diversas leis referentes ao que hoje cha-
maríamos de direito contratual. Começa com o § 15 proibindo ao
tamkãrum (comerciante) e à sãbitum (taberneira) receber prata
ou «naturalia» a-di ma-di-tim (em pequena quantidade?) da
mão de um escravo ou de uma escrava. O § 16, por sua vez,·
30
proíbe o tipo de empréstimo «qlptum» ao mãr awilim Ia zizu,
i.é: o filho que ainda vive na comunidade da casa paterna, e
ao escravo. Os §§ 15e 16 proíbem dois tipos de contratos, mas
não prescreveu as sanções a serem impostas nos casos de infra-
ção da lei. Como observa Petschow, as conseqüências legais
em casos de violação da lei eram certamente a anulação do
contrato e a obrigação, no § 15, de restituir os bens recebidos."
Com a mesma expressão «mãr awIlim» = «filh() de um
awIlum», usada no § 16, começa também o § 17, que provavel-
mente por atração é introduzido neste lugar. Ele determina como
proceder com a terl].atum levada à casa do sogro nos casos de
dissolução natural de um «inchoate marriage», Lé: de um casa-
mento nãó consumado, pela morte de uma das partes. O § 18
continua a casuística: como proceder com os bens no caso de
um casamento consumado, mas prematuramente terminado pela
morte de um dos cônjuges.
Os §§ 18a a 24 reúnem diversas prescrições relativas a
empréstimos. O § 18a determina as taxas de juros normais para
empréstimos de prata e de cevada; o § 19 o prazo de venci-
mento e os §§ 20 e 21 a taxa de juros em casos especiais. Os
3. 22 a 24 tratam de casos ilegais de penhora.
O § 25, reassumindo o tema «terl].atum», serve de passagem
ara o tema casamento e família (§§ 25 a 35). Esse tema é
abordado pelo legislador em uma seqüência 'Cronológica.·5 Co-
::leça no § 25 determinando as conseqüências financeiras da
"ssolução de um «inchoate marriage», por intervenção do pai
::'a noiva, que a entrega em casamento a um terceiro. Nestes
::2S0S o pai da noiva tem o direito de dissolver o casamento
-"'o onsumado, mas deverá pagar um preço bem alto: o dobro
.::::. uantia paga como terl].atum. O rapto e defloração da esposa
=-= ':TI «inchoate marriage» é punido com a pena de morte no
= _5. Os §§ 27 e 28 descrevem as condições exigidas para que
-.2 mulher se torne esposa. Os §§ 29 e 30 tratam do caso de
_ ::lOVO matrimônio de uma mulher, cujo marido foi levado
___=-=::IJ.eiroou fugiu da cidade por motivos políticos. O § 31
- -:' aqui por atração por causa do termo naqãbum = «deflo-
_~ . Os §§ 32 a 35 tratam da educação e adoção de crianças
___ o as.
31
No fim do segundo grande grupo, encontram-se nos §§ 36
e 37 prescrições sobre a responsabilidade nos depósitos em casos
de perda do bem depositado. O § 38 trata do direito de um
irmão sócio de comprar a parte do outro irmão pelo preço médio
oferecido por um estranho. O § 39 dá a um awIlum que, por
necessidade, se viu obrigado a vender a sua casa, o direito de
preempção se essa casa for colocada novamente à venda. Con-
forme o § 40, o comprador que não puder indicar o vendedor
de uma mercadoria questionada deve ser considerado ladrão.
O § 41 determina que a cerveja de três membros da classe
privilegiada só poderá ser vendida por meio da taberneira.
O terceiro grande grupo trata de diversos temas que, na
terminologia moderna, pertenceriam ao direito civil e penal. Os
§§ 42-47 determinam as sanções contra diversas lesões corporais
e agressões pessoais. No § 48 é abordada e decidida a questão
de competência dos diversos tribunais. Note":se que nos §§ 42-47
não é aplicada, como no «Código» de Hammurabi, a pena de
talião, mas o legislador se limita a compensações financeiras.
Os §§ 49 e 50 punem delitos contra a propriedade privada. Os
§§ 51 e 52, que tratam dos sinais que devem marcar um escravo,
entram aqui por atração com o tema «escravo» tratado nos §§
49-50. Os §§ 53 a 57 determinam a responsabilidade do proprie-
tário de um boi escorneador ou um cão feroz no caso de agres-
são e morte de outro boi, de um homem livre ou de um escravo.
No § 58 o legislador pune com pena capital a negligência do
proprietário de um muro que cai e mata um awIlum.
Os §§ 59 e 60, que encerram a tábua «A», parecem um
acréscimo posterior. 00O § 59 parece punir o awilum que repu-
diar a esposa que lhe gerou filhos com a perda de sua casa.
Mas a formulação é bastante obscura e sua interpretação muito
discutida.·7 Pelo tema tratado, o lugar esperado para o § 59
seria logo após o § 30 e não em seu contexto atual." O § 60,
embora transmitido em estado bastante lacunar, parece impor
ao vigia negligente a pena de morte, caso a casa por ele guar-
dada fosse arrombada.
Uma última questão a ser abordada neste contexto é o pro-
blema da época de composição do texto original das leis de
32
Eshnunna. Hoje está completamente descartada a hipótese que
a ribuía a publicação das leis de Eshnunna ao ensí Bilalama."
tas ainda não é possível uma datação exata. As duas tábuas
1M 51.059 e 1M 52.614 datam, como foi visto acima 100, certa-
mente do reinado de Dadusha. Elas são, contudo, apenas cópias
e não o original. Um elemento precioso para a determinação do
empo de composição do texto original nos é fornecido pela parte
introdutória da tábua 1M 51.059. Na terceira linha lê-se a expres-
são nam-lugal es-nun-naki = «realeza de Eshnunna». Infeliz-
mente, no início da linha, onde devia estar o nome do rei, há
uma lacuna. A frase toda pode ser traduzida: «Nin-azu chamou
[ .N.?] para a realeza de Eshnunna». Sabe-se pelas inscrições
encontradas pela arqueologia que o primeiro governador de
Eshnunna a assumir o título LUOAL es-nun~naki =«rei de Esh-
nunna» foi Narãmsin. A promulgação do texto original das leis
de Eshnunna deve ter ocorrido, portanto, ou durante o reinado
de Narãmsin ou de seu irmão e sucessor Dadusha, entre os
anos 1825 .a.c. e 1787 a.C. aproximadamente. '01
33
época, um processo que hoje chamaríamos de secularização. Foi
um processo paulatino, que 'começou muito antes de Vr III. Pro-
vavelmente já com a primeira dinastia semita, a dinastia acádica.
Mas essa evolução atingiu o seu apogeu durante Vr I1I, quando
o rei tornou-se um monarca absoluto. Ele já não é mais apenas
o representante do deus da cidade, mas a divindade mesma
presente entre o povo, como se pode deduzir do costume dos reis
de Vr III de colocar diante de seus nomes o determinativo
DINGIR = «deus», sendo, assim, considerados como deuses. '03
As hordas semitas, que começaram a invadir a Babilônia desde
o terceiro milênio, contribuíram, sem dúvida, de maneira decisiva
para o aparecimento dessas novas idéias que conseguiram trans-
formar a antiga sociedade suméria.
Em Eshnunna, quando Ipiq-Adad lI, após a queda de Vr
I1I, aproveitando as rivalidades entre Isin e Larsa, assumiu o
título de LVGAL = «rei», foi instituído o mesmo modelo de
monarquia absoluta, que encontramos na terceira dinastia de V r.
Em suas inscrições, Ipiq-Adad II e seus filhos Narãmsin e Da-
dusha assumem o determinativo DINGIR = «deus» antes de
seus nomes. Este jato nos mostra o tipo de ideologia real que
,o<
34
social parece não ter existido entre os sumenos e semitas, pelo
menos até o período babilônico antigo. Povos estrangeiros como
os cassitas, hurritas e outros tinham em sua sociedade uma
camada social de nobres. 108Mais tarde, devido a influências
estrangeiras, os altos funcionários reais desempenharam na Ba-
bilônia, e especialmente na Assíria, o papel de uma espécie de
nobreza .•••
~ A camada mais ínfima da sociedade babilônica era formada,
103
sem dúvida, pelos escravos. Mas foram sempre uma minoria.
No período pré-dinástico não eram nem mesmo um fator social
, significativo. Nesta época os escravos eram conseguidos nas
campanhas militares com a captura de prisioneiros de guerra.
Uma outra maneira de conseguir escravos era também as «ra-
zias» feitas nas regiões montanhosas. Daí se compreende por que
o sumerograma GEME = «escrava» seja um sinal composto dos
elementos que significam «mulher» e «montanha». A partir
010
35
de mercadoria, que pode ser comprada e vendida. O § 15 proíbe
ao comerciante (tamkãrum) e à taberneira (sãbitum) receber
das mãos de um escravo prata, cevada, lã ou óleo de sésamo,
certamente para revender ou negociar. No § 16 é vetado ao
escravo fazer um contrato de empréstimo tipo «qiptum». Que a
lei mencione expressamente apenas a proibição de contratos de
venda e de contratos de empréstimo «q'iptum», não significa,
certamente, que o escravo pudesse ser sujeito de outros tipos de
contratos . .,. Os filhos de uma escrava pertenciam ao senhor dessa
escrava. O § 33 prescreve, por isso, que se uma escrava entregar
o seu filho a uma mulher livre, para que esta o crie, o dono da
escrava tem o direito de retomar a criança, sem pagar compen-
sação alguma, se a encontrar ou reconhecer. Os §§ 34/35 pare-
cem conceder um certo privilégio à escrava do palácio que
entregasse seu filho «a-na tar-bi-tim»: «como filho de criação»
a um muskênum: o muskênum podia ficar com a criança, se
compensasse o palácio com uma outra criança escrava. Os §§
31, 49, 55 e 57 fixam as quantias que deviam ser pagas como
indenização ao proprietário em caso de roubo, violação ou morte
de escravos ou escravas. Dentro da perspectiva de que o escravo
era um patrimônio de seu proprietário, o § 50 prescreve ao palácio
tratar como ladrão um funcionário da classe «sakkanakkum»,
«sapir nãrim» ou «bel têrtim», que capturar um escravo, uma
escrava, um boi ou um jumento e o retiver consigo mais de um
mês. Os §§ 51 e 52 parecem indicar que os escravos eram mar-
cados com determinados sinais que os diferenciavam das outras
pessoas.
Como no Código de Hammurabi, também nas leis de Esh-
nunna aparece, entre os awIlum e os escravos, um terceiro
grupo de pessoas, os «muskênum». O sumerograma usado em
Eshnunna para expressar o muskênum é sempre LÚ.MAs.KAK.
EN.115 O significado do termo tem sido objeto de muita discussão
entre os assiriólogos. E. A. Speiser justifica em seu artigo sobre
o muskênum a tradução de «dependente do palácio». ". Contra
114. O § 175 do Código de Hammurabi permite ao escravo do palá-
cio e ao escravo do muskênum realizar um contrato de casamento com
a filha de um homem livre. Não se sabe se esta praxe vigorava, também,
em Eshnunna.
115. O sumerograma usual para indicar o muskênum é LÚ.MAs.
EN.KAK, d. W. von Soden, AHW, p. 684.a.
116. Cf. E. A. Speiser, «The muSkênum» em Or. NS 27 (1958), p.
19-28. Cf. tb. G. R. Driver-j. C. Miles, The Babylonian Laws I, p. 90s.
36
Speiser, F. R. Kraus defende que o muskênum é o cidadão nor-
mal, eriquanto que o awilum representa uma classe mais elevada,
uma espécie de nobreza. Como mostrouW. von Soden, deve-se
111
37
E esses dois complexos legais babilônicos são ongmanos do
norte do país, onde a influência semita era marcante. Fora desses
corpos legais, as menções ao muskênum são raras e quase todas
provenientes do norte.'"
No Código de Hammurabi o muskênum representa, sem
dúvida, uma classe social entre o awIlum e o escravo. Note-se
aqui, por exemplo, a gradação de penas entre uma ofensa feita
a um awIlum, a um muskênum ou a um escravo.'"
Nas leis de Eshnunna, os §§ 12 e 13 protegem o campo e
a casa de um muskênum contra a entrada indevida de um awi-
lum. O § 24 protege o muskênum contra um pseudo-credor que
penhore a sua mulher ou o seu filho: neste caso é aplicada a
pena de morte. Os §§ 34 e 35 tratam de um caso de adoção:
se uma escrava do palácio entrega seu filho para ser criado por
um muskênum, o palácio pode retomar a criança. Mas o muskê-
num pode, também, indenizar o palácio e ficar com a criança. 126
38
era sem dúvida um grupo social ]:", que gozava de uma proteção
especial do rei. "'9
A partir do ano 1000 a.c. parece que o termo muskênum
começou a ser usado para indicar o «pobre» em geral, alguém
que vivia em uma situação social de opressão. ]30
Os textos acima apresentados permitem-nos, pois, concluir
que, pelo menos durante o período babilônico antigo, o muskê-
num formava uma classe intermediária entre os awilum e os
escravos, que, ao que parece, gozava de uma certa proteção
especial do rei. ""'W. von Soden aventou uma hipótese sobre a
origem da classe muskênum 102: eles eram, inicialmente, escravos
libertos de tribos semitas nômades e seminômades. As poucos
essas tribos foram tornando-se sedentárias e seus chefes passa-
ram de xeques a reis. Os libertos receberam dos novos reis partes
128. Cf. p. ex.: o significado coletivo do texto em ARM lI, 80, 10:
LÚ.MEs mu-ús-ke-nim: «os muskênum» com o determinativo LÚ.MEs
indicando uma classe de homens. Em ARM V, 25, 7 fala-se de mu-us-ke-
nu-um sa a-Ia-ni: «muskênum das cidades».
129. Em ARM V, 86, 2 o funcionário real se preocupa que o desejo
do palácio seja cumprido em relação a uma dádiva a um muskênum.
Em ARM 11, 61, 25 o texto refere-se a um A.sà mu-ús-k,e-nim
A.SA é-kal-lim: «campo do muskênum, campo do palácio ... » Infeliz-
mente a lacuna do texto não nos permite entender o sentido da frase.
130. Cf. W. von Soden, «muskênum und die Mawãli des frühen
Islam» em ZA 56 (1964), p. 137. Cf. p. 'ex. neste sentido o hino a
Shamash publicado por W. G. Lambert, Babylonian Wisdom Literature,
p. 134, linha 133: ú-la-lu en-su !].u-ub-Iu-Iu mus-ke-nu: «o humilde, o
fraco, o endividado, o pobre ... » Com este significado o termo passou
para oaramaico e para o árabe, que influenciou as línguas romanas na
formação do termo «mesquinho», «mesquin», «meschino».
131. Cf. tb. a -conclusão de G. R. Driver- J. C. MiJoes em The
Babylonian La:ws, vol. I, p. 93: «The facts here collected seem to show
that the muskênum belonged to a class under the protection of the crown
and was in some sense a dependent on, if not a servent of, the palace,
he was, however, not a slave of the palace ... »
132. Cf. W. von Soden, «muskênum und die Mawãli des frühen
Islam» em ZA 56 (1964), p. 133-141. Especialmente na p. 140 von Soden
escreve: «Ich mêichte nun die These aufstellen, dass der muskênum der
altbab. Zeit _iihnlich dem maulã des frühen Islam ein Fre-igelassener des
Stammes bzw. seines seU war. Die frühere Versklavung war gewiss
meist die Folge einer Kriegsgefangenschaft, kann aber auch andere Gründe
gehabt haben. Die Freilassung erfolgt nicht bedingungslos, sondern band
den Freigelassenen an den inzwischen zum Kleinkêinig oder Kanig
aufgerückten Stammeshiiuptling, der ihm bestimmte Pflichten auferlegte,
aber sich auch verpflichtete, ihm einen besonderen Schutz angedeihen
zu lassem>.
39
na divisão de terras.'33 O benefício concedido ligava esse grupo
de pessoas diretamente ao rei e acarretava para o beneficiado
diversas obrigações. As legislações babilônicas trataram dos
direitos e deveres da nova classe que surgia. A relação especial
com o soberano significava, também, uma proteção especial do
rei em relação à classe dos muskênum. Mas como também os
outros cidadãos (awilum) tinham deveres e obrigações em rela-
ção ao rei, aos poucos as diferenças vão desaparecendo, de
maneira que é praticamente impossível, a partir dos textos exis-
tentes, constatar-se a existência do muskênum como classe social
distinta a partir do fim da dinastia de Hammurabi.
A família era na sociedade de Eshnunna, como na sociedade
suméria e na sociedade babilônica, o cerne de sua estrutura
social. O sistema familiar vigente era o patriarcal. Embora a
poligamia, como no resto da Babilônia, não fosse proibida, o
casamento era, em geral, monogâmico. E, mesmo nas famílias,
onde havia diversas mulheres, uma só ocupava o lugar de esposa
principal e seus filhos eram os herdeiros legítimos. As outras
mulheres eram esposas secundárias ou concubinas.'34
Nas leis de Eshnunna nove parágrafos regulamentam o
direito matrimonial."" Se se leva em consideração o reduzido
número de parágrafos do· complexo legal de Eshn~nna, trata-se
até de uma regulamentação bastante detalhada, embora bem
menos completa que a do Código de Hammurabi. 1136
40
casamento, perdia a quantia paga como ter(latum, que ficava em
posse do pai da noiva. Se antes da coabitação uma das partes
morresse, conforme o § 17, a prata paga como ter(latum devia
retomar a seu dono, i.é: ao noivo ou à família deste. No tempo
de Hammurabi o preço estipulado como ter(latum parece ter
regulado em torno de uma mina, i.é: 500 g de prata '3', uma
quantia, sem dúvida, bastante elevada.
Ao sair da casa de seu pai, a esposa recebia deste um dote
- chamado em acádico seriktum - que permanecia propriedade
da esposa durante todo o casamento e era, após a morte desta,
dividido entre seus filhos. O § 18 das leis de Eshnunna determi-
na que se uma das partes morrer e o casamento não tiver filhos,
o marido ou a família deste não poderá exigir do sogro a devo-
lução da terlJatum, pois eles podem ficar com o dote trazido.
Caso, porém, o valor da ter(latum exceder o do dote, ou
vice-versa, a família poderá exigir a restituição da quantia
excedente. ,""
A sociedade de Eshnunna exigia, para que um casamento
e seu sogro disse ao esposo: «Não tomarás a minha filha como esposa»:
ele restituirá o dobro de tudo que lhe foi trazido e seu amigo não
poderá tomar sua mulher como esposa». Pode-se compreender a serie-
dade com que a le,i encarava o vínculo criado pelo pagamento da terlJa-
tum, se se considera o § 26 das leis de Eshnunna, que prevê a pena
de morte para o rapto e defloração de uma donzela, pela qual já foi
paga uma terlJatum.
139. Cf. § 139 do CH.
140. Compare a legislaçãú de Hammurabi nos §§ 163 e 164 para
casos análogos.
141. Cf. §§ 27 e 28 - Compare com os §§ 128 e 129 do CH.
142. Em casos de um matrimônio sem filhos, o divórcio era, 'provavel-
mente, resolvido nos moldes dos §§ 138/139 do Código de Hammurabi.
143. Compare com os §§ 133-135 do CH, onde é prevista uma casuís-
tica bem mais complexa e detalhada para resolver casos análogos.
41
Mas se o marido retomasse à sua pátria, tinha o direito de
retomar a sua esposa. Somente o homem que abandonava o seu
lar e fugia de sua terra por motivos políticos perdia, conforme
o § 30, o direito de reaver a sua esposa. ''''
A sociedade de Eshnunna baseava sua economia principal-
mente na agricultura.H' Um sistema bastante eficaz de irrigação
artificial, criado pelos sumérios já no terceiro milênio, tornou a
terra fértil e possibilitou, assim, o desenvolvimento da agricultu-
ra.146 As terras eram, em geral, propriedade do palácio, dos
templos ou de particulares, donos de grandes latifúndios. Os
147
43
de outros instrumentos. O animal de montaria por excelência.
era, nesta época, o jumento. "'"' Até a época em que os hititas
introduziram na Babilônia a arte de domesticar o cavalo no fim
do segundo milênio "ir, ele era importado apenas para ser 'Cruzado
com o jumento e obter-se, assim, a procriação de mulos, muito
procurados por serem mais fortes que o jumento e mais parcos
em sua alimentação. Os grandes fornecedores de carne e leite
eram, contudo, como ainda hoje no Oriente Médio, as ovelhas
e as cabras. Os rebanhos de ovelhas tinham uma importância
especial, pois· além de alimento, forneciam também a lã, essen-
cial na fabricação de roupas. Os textos nos falam da existência
de rebanhos suínos. Aliás, a presença de ossos de porcos consta-
tada pelas escavações arqueolÓgicas mostra que a Babilônia não
conhecia, como Israel, preconceitos contra o consumo da carne
de porco.
De grande importância para a alimentação dos habitantes
da Babilônia era, também, a pesca.'" Conforme os dados dos
documentos da época, os rios, canais e lagunas da Babilônia
possuíam uma grande quantidade e variedade de peixes. ,59 Os
pescadores (sumério LÚ.sU.KU 6, acádi-co bá'irum), divididos em
pescadores de água doce e pescadores do mar, formavam, no
período babilônico antigo, uma organização severamente contro-
lada pelo· palácio, que mantinha o monopólio da pesca.·60 As
embarcações usadas variavam conforme o tipo de pesca: podiam
ser barcos de junco, canoas de madeira e até barcos à vela. Os
instrumentos de trabalho eram anzóis de cobre, nassas e princi-
palmente redes.·61 O peixe podia ser consumido fresco ou era
156. Cf. A. Hilzheimer, art. «Esel» em Reallexikon der Assyriologie,
voI. 11, p. 476s.
157. Cf. A. Goetze, Kleinasien, p. 119.
158. Cf. M. Lambert-E. Ebeling, art. «Fischerei»em Reallexikon der
Assyriologie, voI. 1lI, p. 68s; B. Meissner, Babylonien und Assyrien, voI.
I, p. 225s; G. R. Driver-j. C. MiJ.es, The Babylonian Laws, voI. I, p. 115s.
159. Cf. H. Schmêikel, Kulturgeschichte des Alten Orient, p. 66,
onde cita um texto do tempo de Luga1anda, que fala da pesca de 9600
carpas e 3600 outros peixes.
160. Cf. p. ex. o Código de Hammurabi nos §§ 26, 27-29, 30, 31.
Ct tb. G. R. Driver-j. C. Miles, The Babylonian Laws, voI. I, p. 115s.
161. Cf. em H.Frankfort, S. Lloyd, Th. Jacobsen, TheGimilsin
Temple - OIP 43 - Chicago, 1940, p'. 219, ilustração 106g a fotografia
de um anzol de cobre encontrado nas escavações de Tell Asmar. Cf. tb.
H. Frankfort, Th. Jacobsen, c. Preusser, Tell Asmar and Khafaje, p. 92s.
Nas escavações de Khafaje foram encontrados vários pesos de argila
que serviam para afundar as ·redes.
44
,;i
:::-abalhado em pequenas indústrias que salgavam ou secavam o
~~'xe ou o transformavam em farinha de peixe.
As cidades-reinos da Babilônia eram, porém, muito pobres
=- metais, pedras e madeiras. Fazia-se, pois, mister suprir as
-e essidades desses produtos, importando-os de outras regiões.
::::.Irgiu, assim, desde o tempo dos sumérios, no terceiro milênio,
_ idéia de comerciar os excedentes agrícolas, a lã, e provavel-
-ente peixe seco para obter recursos a fim de importar os pro-
:::utos em falta no país:"' No período babilônico antigo somava-se
2 essa gama de produtos naturais, outros provenientes da indús-
="Ía babilônica como perfumes, cremes de beleza, bijuterias e
::lUtros trabalhos do artesanato babilônico. Os produtos mais
; portados eram madeiras, especialmente o cedro proveniente
e Amanus e do Líbano, mas também ébano da Núbia e cipreste
as montanhas da Armênia. A região do Taurus fornecia, pro-
vavelmente, a prata, muito importante como base de pagamento
Ilas transações comerciais entre os diversos reinos. O ouro era,
ambém, procurado e vinha de diversas regiões, principalmente
da Ásia Menor e da Índia (MelutJ,tJ,a). O cobre era 'importado
a Ásia Menor e do Elam. O desenvolvimento da vida social dos
grandes centros urbanos criou a necessidade de importar pro-
dutos mais sofisticados. De regiões longínquas, como o Afega-
nistão e as imediações do lago Urmia, vinham as pedras semi-
preciosas como lápis-lazúli, cornalina, jaspe etc... que eram
utilizadas na confecção de jóias. O Golfo Pérsico fornecia péro-
las. Muito apreciados eram, também, os produtos de luxo como
incenso, mirra, nardo e outras especiarias procedentes do sul da
Arábia. O marfim, proveniente provavelmente da Índia, era
empregado na fabricação de jóias e outros objetos, como também
para incrustações em móveis. Além disso, as expedições comer-
ciais traziam novos escravos para as cidades babilônicas.
O intermediário desse comércio internacional era o tamkã-
rum - expresso em geral nos textos pelo sumerograma DAM.
GAR -, originalmente um funcionário do templo ou do palá-
cio 163, que controlava todo o comércio externo. Mas, aos poucos,
45
esta atividade foi passando para a mão de particulares, embora
continuasse supervisionada e regulamentada pelo palácio. No
período babilônico antigo, como aparece claramente no Código
de Hammurabi, o tamkãrum tornou-se uma espécie de banqueiro,
que financiava a expedição comercial e enviava um agente seu
(samaI1Qm) com capital e mercadorias para as diversas transa-
ções comerciais. 164A prata era, nesta época, o veículo comum
de pagamento. O meio de transporte mais usado era a navega-
ção fluvial pelo Eufrates, Tigre e pelos muitos canais navegá-
veis que cortavam a Babilônia. Onde não era possível chegar
por via marítima, organizavam-se caravanas. Mas a lentidão dos
meios de transporte - carroças puxadas por bois ou jumen-
tos - e o estado lastimável das estradas tornavam demoradas
e difíceis as caravanas. O 'centro do comércio de uma cidade era
o «kãrum». O termo «kãrum» significa, em si, «cais» 165; era o
lugar onde as embarcações ancoravam. No «kãrum» os tamkã-
rum se reuniam, os preços eram notados, o comércio organiza-
do. 1,," O comércio varejista da cidade era, sem dúvida, explorado
pela sãbItum (taberneira), que vendia não só bebidas, mas pro-
vavelmente também todos os gêneros de primeira necessidade. '01
A cidade-reino de Eshnunna, por sua posição geográfica,
podia controlar todo o comércio na região do Tigre. Durante o
período de Larsa-Isin, os reis de Eshnunna estenderam o seu
poder do Diyala até o Tigre e assim podiam dominar não só as
rotas de caravanas que vinham do Elam, mas também as prin-
cipais vias fluviais do norte para o sul. Eles tiveram sob seu
controle as grandes cidades comerciais Diniktum e Mankisum.
Eshnunna teve, além disso, relações comerciais intensas com as
cidades às margens do Eufrates, como o comprovam os inúmeros
textos encontrados nas escavações de Tell Asmar e adjacências.'68
Uma preocupação séria dos governantes de Eshnunna parece
ter sido a regulamentação dos preços dos gêneros de primeira
necessidade, na tentativa de estabilizar o custo de vida.169 As
164. Cf. CH §§ V-107.
165. Cf. W. von Soden, AHW, p. 451.
166. Cf. W. F. Leemans, art. «HandeI» em RealIexikon der Assyrio-
logie, vol. IV, p. 81s.
167. Cf. p. ex.: o § 15 das leis de Eshnunna.
168. Cf. p. ex.: H. Frankfort, S. Lloyd, Th. jacobsen, The Gimilsin
Temple. H. Frankfort, Th. jaoobsen, C. Preusser, TeU Asmar and Kha-
faje. S. Greengus, Old Babylonian Tablets from Ishehali and Vieinity.
169. Cf. sobre a evolução dos preços na Babilônia os trabalhos de
W. Sehwenzner, «Zum babylonisehen Wirtsehaftsleben» em MVAG 19/3
46
.,
.eis de Eshnunna começam com uma lista que visa determinar o
. reço máximo permitido para alguns produtos vitais na vida
otidiana da Babilônia.07• Para compreendermos bem a situação
_ onômica de Eshnunna é necessário compará-Ia com a de outras
:dades da região. O abundante material textual que a arqueo-
:ogia trouxe à luz permite uma tal comparação. Como ponto de
-eferência deve-se tomar o preço dos três produtos essenciais
o dia-a-dia das populações babilônicas: a cevada, o óleo de
:::ésamo e a lã. Em Eshnunna a lei determinava que, com um
úlo (8 g) de prata, se podia comprar 1 GUR (300 I) de cevada,
: sut e 2 qa (121) de óleo de sésamo e 6 minas (3 k) de lã. m
~sses preços regulam com os da terceira dinastia de Ur. 172
47
Como os textos provenientes da -região do Diyala mostram
claramente, as terras nesta região estavam repartidas entre o
rei, seus familiares, seus funcionários, o templo e algumas pes,...
soas particulares. 116Torna-se, contudo, bastante difícil avaliar a
situação econômica dos pequenos proprietários, que viviam da
renda de seus campos. Dependia tudo da extensão de suas pro-
priedades e da qualidade do solo. Aqueles awilum, que estavam
ligados ao palácio por um serviço do tipo «ilkum» 017, recebiam
do rei um pequeno lote de terra e o pagamento de uma deter-
minada quantia em produtos naturais. O lote de terra não
118
48
· rescrito na legislação de Hammurabi para a mesma classe de
essoas é menor. Conforme o § 272, ele receberá nos cinco pri-
eiros meses do ano uma diária de 6 sE de prata, mas nos
outros meses, sua diária será apenas de 5 SE de prata.'83 Por-
:anto somente nos cinco meses mais pesados para um trabalha-
'or rural ele ganhará um siclo de prata mensalmente. Nos
-estantes sete meses seu salário mensal será 5/6 de um siclo
( erca de 6,666 g) de prata. Além disso, Hammurabi não pres-
Teve o pagamento da alimentação, que em Eshnunna é de dois
li ros de cevada por dia. Nos §§ 7 e 8 as leis de Eshnunna
'eterminam, ainda, o salário de mais dois trabalhadores agrí-
~olas. O ceifador recebe uma diária de 2 sat (201) de cevada,
orrespondendo, destarte, a um salário mensal de 600 litros de
evada ou, conforme a equivalência da tabela de preços do § 1,
dois siclos de prata. O joeireiro tem direito a uma diária de 1 sut
(10 litros) de cevada, equivalente a um salário mensal de 300
li ros de cevada, que, de acordo com o § 1, valia um siclo de
rata. No § 257 do Código de Hammurabi o salário anual de
um «ENOAR = ikkarum = trabalhador rural""» é de 8 OUR
( erca de 2.400 I), que corresponde a um salário mensal de 200
itros de cevada. Os elementos aqui examinados nos levam à
cnclusão de que a situação econômica de um trabalhador em
~shnunna era melhor do que na Babilônia durante o reinado da
'nastia de Hammurabi.
O preço de locação de animais e de instrumentos de traba-
., o era, também, inferior em Eshnunna. O aluguel diário de
m carro de boi com condutor era, conforme o § 3, 1 pan e 4 sat
'e cevada, i.é: cerca de 100 litros, ou, se computado em prata,
:/3 de siclo.185 Para o mesmo instrumento de trabalho as leis de
nammurabi prescrevem uma diária de 3 parsiktum, ou seja, 180
:i-ros .••••Para alugar um jumento o habitante de Eshnunna pagava
:0 litros de cevada por dia ao dono do animal e um salário diário
::" 10 litros de cevada ao condutor do animal. Hammurabi fala,
2.. enas, de 10 litros de grão como aluguel do jumento. No §
187
50
'\I.
~ ::J.,:,~t.JC..a C~":rJ~;~"::s.)t.i~•.-<;~ c.: ! lr.Hi,ó.::uadAª'
::=mplo do deus Sin em Khafaje, Harris conclui que se deu,
::.aquela época, uma concentração de riquezas nas mãos de
_ ucas pessoas, principalmente funcionários do templo, que for-
=avam a classe dirigente do país. Suas riquezas cresciam cada
-ez mais em detrimento dos pequenos camponeses e da popula-
> -o rural em geral. Foi, provavelmente, diante deste quadro
195
195. Cf. R. Harris, art. cit. p. 45. Cf. tb. P. Garelli, Le Proche-
fr'ent Asiatique, p. 286s.
196. Cf. E. Bouzon, O Código de Hammurabi, p. 57, § 117.
51
11. As Jeis
Décimo
[do ano,segundo
em que, mês,
por vzgeszmo primeirodecreto
um irrevogável dia j de Enlil,4. t
Nin-azu chamou [Dadusaj para a realeza de Esnunna,
ele e,ntrou na casa de seu pai e conquistou
no espaço de um ano
a cidade de Supur-samas
[como também Astabelaj, do outro lado do Tigre,
com uma arma forte.
52
Como acertadamente observou Landsberger, não se trata
ui de um preâmbulo ao corpo legal, mas de uma simples fór-
=ula de datação, que corresponde à data de promulgação da lei.
orno era em geral costume na época, a fórmula de datação foi
2S rita em língua suméria. 108
53
:Código de Eshnunna» foi, portanto, com o segundo produto
mposto durante os reinados de Narãmsin _2 como Landsberger m
--':'.in."" A expressão LS
__::neira qualidade. 206 J.
- -. lO de Mari, como «óle
_"'- i.é: cerca de 3 litros, (
- sido de prata.
A medida de capacic
===-;::a de 10 litros. Doze li
por um sido de prata. :: pelo sumerograma 1.01
tngir por um siclo de prata. --'0 ou seja, 8 gramas,
) de sésamo por um ciclo de prata. ==:"ograma I.sAl}: - cw
dura de porco por um sido de prata. _ JS, um sido de prata.
'io por um sido de prata. O sumerograma UC
um sido de prata. :::.. zlechter lê em vez de
. um siclo de prata. :;;-? ico ittum = betume .
1 por um siclo de prata. :=; -afta, que corresponde <
_ sido de prata.
= Eshnunna chegou até nós. por meio da A lã era vendida na
o parágrafo é uma lista de preços e indica =2-a. A mina valia 60
merciante podia cobrar pelos artigos de ~=:s minas de lã, i.é: 3]
tentro do espírito da legislação do Oriente :.~: 8 gramas de prata.
ta reforma do que uma codificação legal, zzma NUN - era ven(
enção do legislador aqui é corrigir abusos ~:- 600 litros para 1 sic
dos habitantes de Eshnunna, bem como .§.-se, sem dúvida, o sur
corrigir tendências inflacionárias. -=-:-:no acádico ulJulum
[O é descrito pelo sumerograma SE que ::..c.s cinzas de uma planta
grão em geral, como também, em espe-
lida de capacidade GUR não tinha um 205. Cf. B. Landsberger
a Babilônia antiga 300 qa (cerca de 300 ~:-43.
206. Cf. W. von Soden,
'o reino de Mari valia apenas 120 qa. O
207. Cf. J. Bottéro, Are
peso que correspondia a um pouco mais 208. Cf. E. SzIechtér, I
cerca de 300 litros de cevada custavam ~ e Laws of Eshnunna, p.
g gramas de prata. tSir = iHum «bitumen» (~
:o, minute ... »
209. Cf. W. von Soden
d, Die «Zweite Zwischenzeit» Babyloniens, p.
~r, Les Lais d'Esnunna, p. 6s. A. Goetze, The 210. Cf. A. Deimel, SUl
= 2inal como «eine alkaliscl
54
o segundo produto é expresso pelo sumerograma 1.SAO,
que, como Landsberger mostrou, corresponde ao acádico saman
rusfin.303 A expressão LSAG indica, sem dúvida, um óleo de
primeira qualidade.200 J. Bottéro interpretou, a partir de um
texto de Mari, como «óleo de ungir».207 A lei determina que 3
qa, i.é: cerca de 3 litros, de óleo de ungir custarão em Eshnunna
um sicIo de prata.
A medida de capacidade sufum corresponde a 10 qa, i.é:
cerca de 10 litros. Doze litros de óleo de sésamo - aqui expres-
so pelo sumerograma 1.OIs - usado para a cozinha custava 1
sicIo, ou seja, 8 gramas, de prata. A gordura de porco - su-
merograma LsAlj: - custava 1 sut e 5 qa, i.é: cerca de 15
litros, um sido de prata.
O sumerograma UD significa literalmente «óleo do rio».
E. Szlechter lê em vez de. íD, o sinal ESIR, que corresponde ao
acádico ittum = betume.208 O LESIR = óleo de betume seria
a nafta, que correspop~e ao acádico naptum normalmente expres-
so pelo sumerograma i.KUR.RA = «óleo da montanha».209 A
região era bastante rica em terrenos betuminosos de onde se
podia extrair o óleo. A proporção era de 4 sat =
40 litros por
um sicIo de prata.
A lã era vendida na proporção de 6 minas por um sicIo de
prata. A mina valia 60 ciclos, portanto cerca de 500 gramas.
Seis minas de lã, i.é: 3 k de lã, valiam em Eshnunna um sicIo
i.é: 8 gramas de prata. O sal - aqui expresso pelo sumero-
grama NUN - era vendido na proporção de 2 GUR = cerca
de 600 litros para 1 sicIo = 8 gramas de prata. Na linha 15
lê-se, sem dúvida, o sumerograma NAGA, que corresponde ao
termo acádico u1}ulum = potassa. 210Trata-se, provavelmente,
das cinzas de uma planta, que continha potassa e era empregada
205. Cf. B. Landsberger, op. cit. p. 68-70. Cf. tb. o texto CT 17,34,
41-43.
206. Cf. W. von Soden, AHW sub voce rustu, p. 996.
207. Cf. J. Bottéro, Archives Royales de Mari, VIl, p. 179-180.
208. Cf. E. Szlechter, Les Lais d'Esnunna, p. 14. E A. Oaetze em
The Laws af Eshnunna, p. 27 explica: «The graphic difference between
esir = ittum «bitumen» (SL 579:427) and id = «river» (SL 579 :457)
is minute ... »
209. Cf. W. von Soden, AHW, p. 742.
210. Cf. A. Deimel, Sumerisches Lexikon, 11, N. 165a, que identifica
o sinal como «eine alkalische pnanze; Soda, Kali1auge».
55
na fabricação de sabão.211 O preço de 1 GUR (cerca de 300
litros) dessa espécie de potassa é um sido de prata (8 gramas).
A. Goetze leu o sinal em questão como TE correspondente ao
acádico qaqqulum = «cardamun», que seria um tipo de espe-
ciaria empregada na fabricação do pão. Mas como nota Lands-
212
§ 2
57
§3
aIs
O tipo de veiculo expresso pelo sumerograma MAR-GíD.DA
- acádico ereqqum - indicaria um carro de carga puxado por
uma parelha de bois. A expressão ka-la uçmi-im = lit.: «todo
224
§4
58
300 litros de capacidade do barco. A tonelagem corrente nos
barcos de navegação fluvial da Babilônia parece ter sido de 60
GUR, i.é: 18.000 litros, que corresponde a uma capacidade de
erca de 18 toneladas. '''' Portanto o aluguel diário de um barco
de 60 GUR era em Eshnunna 120 litros de cevada, ou seja na
proporção do § 1 das leis de Eshnunna 2/5 de um sicIo de prata
(cerca de 3,2 g). No tempo de Hammurabi o aluguel estipulado
era menor: o § 277 determina como aluguel de um barco de 60
GUR 1/6 de sido de prata (cerca de 1,33 g). 221 O salário do
barqueiro não pode ser determinado com certeza devido a uma
acuna na tábua cuneiforme. B. Landsberger julga poder recons-
iruir a lacuna e ler: [u 1)3] qa Á MÁ. LAJ:;Ix: «[e 1/3] de qa
o salário do barqueiro». '" Neste caso o barqueiro receberia uma
iária de 1)3 de litro de cevada por cada GUR (300 litros) de
apacidade do barco. Hammurabi prescreve no § 239 de seu
ódigo que o salário de um barqueiro deve ser 6 GUR = 1.80(·
j ros por ano, o que corresponde a uma diária de cerca de 5
'tros para um barco normal, i.é: de 60 GUR de capacidade. '29
.\ condição de contrato é, como no § 3, igualmente ka-Ia uçmi
«todo o dia», i.é: pelo preço estipulado o barqueiro deve dar
dia de trabalho.
Na Babilônia o barco era, sem dúvida, o meio de comuni-
- .ão mais importante.230 Praticamente quase todos os grandes
z~ntros comerciais podiam ser atingidos por meio da navegação
:.. via!'
§5
59
e salários no reino de Eshnunna.2:11 Os §§ 5 e 6 quebram a
seqüência do contexto. 232O tema inicial será reassumido no § 7.
A intenção do legislador no § 5 é bastante clara: definira res-
ponsabilidade do barqueiro em caso de naufrágio causado por
negligência do barqueiro. Este parágrafo supõe, naturalmente, o
costume babilônico, vigente na época, segundo o qual o proprie-
tário de um barco o alugava a um barqueiro que contratava as
cargas, combinava as viagens e os preços.23' Esse barqueiro era
responsável pelo barco diante de seu proprietário e pela carga
diante do cliente. Em um parágrafo paralelo do Código de
Hammurabi encontra-se uma formulação bem mais explícita e
mais pormenorizada: «Se um awilum fretou um barqueiro e um
barco e carregou-o com grão, lã, óleo, tâmaras ou qualquer outra
carga e esse barqueiro foi negligente e afundou o barco ou
perdeu a sua carga: o barqueiro pagará o barco que afundou e
tudo o que se perdeu de sua carga».234 Aliás a legislação de
Hammurabi é, aqui, mais completa em sua casuística, tratando
da responsabilidade e dos direitos de um barqueiro em cinco
parágrafos. 235No § 238 Hammurabi aventa a possibilidade de o
barqueiro poder erguer o barco afundado. Neste caso deverá
pagar em prata a metade de seu preço. 233
A introdução do' verbo acádico egu = «negligenciar» na
casuística do § 5 das leis de Eshnunna veio refutar a tese comum
a vários autores 23', de que teria sido Hammurabi quem primeiro
60
_::"oduziu este elemento na casuística legal em relação à res-
.;.:msabilidade dos barqueiros. 23S . Mas nem as leis de Eshnunna
=2:n o Código de. Hammurabi tratam do caso de afundamento
:::2 um barco' sem comprovada negligência do barqueiro. Parece
':;-le nestes casos valia o princípio: «res perit domino».
~ 6
61
do legislador de Eshnunna no § 6 é, certamente, punir o uso
indevido e ilegal de um barco, sem o consentimento de seu pro-
prietário. Seria, pois, um caso de «furtum usus» como o carac-
teriza M. San Nicolà. "'"' O pagamento de dez sidos (80 g) de
prata deverá ser feito, sem dúvida, ao proprietário do bàrco.
§7
§8
62
zarum. B. Landsberger mostrou que a raiz zarum corresponde
ao· nosso joeirar. 248O termo zarum usado no texto da lei é,
provavelmente, um particípio e indica aquele que joeira o grão
na eira. O legislador prescreve que um trabalhador zarum deve
receber por dia 1 sut de cevada, Lé: o equivalente a 10 litros.
Isto corresponde exatamente à metade do salário de um ceifador
(d. § 7). Não é mencionado o salário correspondente em prata.
Mas seguindo a proporção da cevada, deverá ser também a me-
tade do do ceifadorou seja: 6 sE de prata. Nessa proporção,
o salário mensal de um joeirador era 300 litros de cevada ou 1
sido de prata.
§9
63
nado (a colheita de um campo). O contrato visa, pois, o resulta-
do final: a colheita. "'" Comparando-se o § 9 com o § 7, pode-se
deduzir que a quantia dada ao' LÚJjUN.GÁ correspondia ao
salário de 15 dias de um ceifador.
Se, porém, esse mercenário faltar com o compromisso assu-
mido pelo contrato, deverá pagar uma multa de 10 siclos de
prata ou sej a: dez vezes mais do que recebeu.
A expressão acádica re-su Ia ú-ki-il-ma, cujo sentido literal
é, como registra von Soden, «não segurou a cabeça» "", deve ser
compreendida como uma expressão idiomática com a significa-
ção de «não se· colocou à disposição ... ».253
A repetição e-~e-dam e-~e-dam Ia [e] -~í-su - lit.: «2
colheita, a colheita não colheu» - é registrada pelo Chicago
Assyrian Dictionary como uma simples ditografia.2>4 Já E.
Szlechter interpreta a repetição como uma maneira de expressar
que o mercenário não trabalhou durante toda a colheita e, POi
isso, não cumpriu uma das' cláusulas do contrato em questão. os;
§ 9a
64
discutida em função da interpretação de dois grupos de sinais
cuneiformes e da lacuna existente no início da linha 34. A.
Goetze, tanto na «editio princeps» ''''', como mais tarde na edição
«standard» 251, interpreta os dois grupos de sinais' cuneiformes
como sendo os sumerogramas AB.TUK.A e BA.ZI.As. O primeiro
grupo é relacionado com a raiz suméria TUK = «aceitar»,
«adquirir»"" e o segundo com ZI, que corresponde ao acádico
nasãl].um = «arrancar», «extrair». Para Goetze, os §§ 9 e 9a
Z59
65
Em 1964 B. Landsberger propôs para o primeiro grupo de
sinais cuneiformes a leitura do sumerograma URUD.KIN.A -
cujo correspondente acádico é niggallum - com a significação
de «foice». """ Esta leitura foi confirmada por Landsberger em
1968 no seu artigo «Jungfraulichkeit» e aceita por W. von
264
263. Cf. Welt des Orients III (1964), p. 61, nota 52.
264. Cf. Symbolae luridicae et Historicae M. David dedicatae, voI.
lI, p. 72.
265. Cf. art. «Neubearbeitung-en der babylonischen Gesetzessamm-
lungen» em Orientalische Literaturzeitung 53 (1958), p. 519.
266. Cf. Agricultura Mesopotamica, p. 163s.
267. Cf. École Pratique des Hautes Études, Annuaire 1965/66, p. 91.
268. Cf. p.ex.: ]. J. Finkelstein, art. «On Some Recent Studies in
Cuneiform law» em JAOS 90 (1970), p. 247s.
269. Cf. J. J. Finkelstein, art. cit. p. 247, nota 19.
270. Cf. Welt des Orients III (1964.), p. 61, confirmado no art.
«Jungfrãulichkeib>, p. 72. W. von Soden registra o termo kUi;>irumem
AHW, p. 515b, com o significado «ein Band (7»>, mas a única citação
apresentada é o nosso texto.
271. Cf. J. J. Finkelstein, art. cit. p. 248, nota 20.
272. Cf. J. J. Finkelstein, art. cit. p. 248s. Cf. tb. H. Limet, Le travail
du métal au pays de Sumer .au temps de Ia lI!" dynastie d'Ur, Paris,
1960, p. 145s.
273. Cf. ]. J. Finkelstein, art. cit. p. 248: «The most appropriate
rending of ba-zi-ir is therefore «scrap» Le: metal implements to be
scrapped ar alr·eady turned into scrap. This meaning will fit ali Sumerian
occurrences in which the object is metal or metal implements».
66
A lacuna do ImclO da linha 34 é completada por W. von
Soden: [a-na be] -li-su-ma i-ta-a-ar: «ao seu proprietário re-
tornará».2'l4 Esta interpretação é, hoje, comumente aceita. 275
O § 9a parece, pois, tratar do contrato de aluguel de um
objeto chamado URUD.KlN.A, i.é: uma foice. O § 9, ao con-
trário, tratava de um contrato de trabalho. Deve-se, pois, prova-
velmente considerar como dois parágrafos diferentes. No § 9a o
legislador determina o preço máximo do aluguel de uma foice:
1 sut e 5 qa, que corresponde a cerca de 15 litros. O cereal
em questão é, sem dúvida, a cevada, que serve como base de
pagamento nas leis de Eshnunna. O preço estipulado vale, cer-
tamente, como aluguel da foice para todo o tempo da colheita.
Na segunda frase do § 9a o legislador determina que o
ku-~i-rum (corda?) ou o ba-zi-rum («scraf-metal»?) deveria
ser restituído a seu dono. A interpretação desta parte continua
obscura e será necessário mais material textual para determinar
o significado exato desta parte.
§ 10
67
balho a que é destinado o animal alugado. No seu atual contexto,
depois dos §§ 7-9, pode-se supor que o animal alugado era
destinado aos trabalhos da colheita. A legislação de Eshnunna
acrescenta uma segunda prescrição: o salário diário do condutor
do jumento é igualmente 1 sut, i.é: 10 litros de cevada. O pará-
grafo termina, com a cláusula: ka-Ia u4-mi-im i-re-de-su: «Ele
dever.á conduzi-Ia o dia inteiro». 27.
§11
278. Cf. §§ 3 e 4.
279. Lit.: ITU 1.KAM i-Ia-ak: «Ele irá um mês».
280. Cf. W. von Soden, AHW, p. 822b.
281. Cf. a expressão sumérica sA.OAL que corresponde ao acádico
ukuIlum. Cf. W. von Soden, AHW, p. 1406a.
282. Cf. E. Bouzon, O Código de Hammurabi, p. 105.
68
tes a diária é apenas de 5 sE, l.e: 5/180 de um sido, que
corresponde a um salário mensal de 5/6 de um sido ou seja
6,666 g de prata. Hammurabi não fala do sustento do mercená-
rio. Em Eshnunna, portanto, um LÚ.ljUN.GA = «mercenário»,
além de ganhar um siclo por mês - ou seja uma diária de 6
sE - durante todo o ano, sem distinção de meses, recebia
uma quota mensal de cerca de 60 litros de cevada - i.é: cerca
de dois litros por dia - a titulo de sustento.
E. Sztechter tem, sem dúvida, razão quando afirma que o
§ 11 apresenta um caráter geral, devendo ser aplicado a todos
os trabalhadores para os quais não é previsto um salário
especial. 2S3
§ 12
70
Por que uma lei que se refere, exclusivamente, à defesa do
ampo de um muskênum? Por que esse cuidado especial por
parte do legislador em relação ao muskênum? Quem era esse
21J2
§ 13
71
à propriedade do muskênum como o § 12. A repetição da
295
72
uma multa de dez sidos (80 g) de prata. Mas, como no § 12,
o legislador estende a casuística do parágrafo com mais uma
hipótese: Se o awllum for surpreendido, durante a noite, na casa
do muskênum, então não haverá nem pena financeira nem perdão.
Esse awilum deverá ser condenado à morte.
§ 14
73
§ 15
74
tos. 30. B. Landsberger lê a-di ma-di-im e traduz simplesmente
por «et cetera».31O Se a nossa interpretação de a-di ma-ti-im
«em pequena quantidade» está certa, então o § 15 proíbe ao
tamkãrum e à sãbItum receber da mão de um escravo ou de
uma escrava prata, cevada, lã ou óleo de sésamo, mesmo em
pequena quantidade, para revender ou negociar. E o motivo dessa
proibição parece óbvio: o escravo é propriedade do seu senhor,
os bens que possui pertencem igualmente ao seu senhor.
§ 16
75
à expressão um significado mais amplo: «Thus mãr awllim lã
zizum can mean a free man to whom a specific share in his
father's estate has not yet been assigned».314 Nesta linha, julga-
mos preferível dar à expressão um sEntido mais amplo. O «filho
de awIlum não separado» é aquele que vive na comunidade da
casa paterna com seus irmãos, quer durante a vida do pai quer
após a morte deste antes da divisão da herança paterna.:rn O
significado do verbo acádico usado neste parágrafo ul iqqiap,
da raiz qiãpum 31. - traduzido aqui por «não deve ser feito
empréstimo» - foi amplamente discutido por E. Szlechter. 317
Ele relaciona o uso do verbo qiãpum neste parágrafo com o tipo
de empréstimo qlptum.:l13 O direito babilônico conhecia emprés-
timos a juros e empréstimos sem juros. A série ana ittisu 319
denomina o empréstimo a juros de }J:AR-ra, com o equivalente
acádico lJubuIlum. 320O mesmo texto lexicográfico apresenta dois
tipos de empréstimos sem juros: ES.DÉ.A, com o equivalente
acádico b-ubuttatum e sU .LÁ com o equivalente acádico qlptum . ..,
E. Szlechter mostra a diferença existente entre o tipo de em-
préstimo b-ubuttatum e o tipo qlptum.3Z2 Parece não tratar-se
apenas de uma diferença dialetal entre o norte e o sul da Babi-
lônia. 323O termo tlUbuttatum expressa uma relação jurídica de
empréstimo propriamente dito, mas trata-se de um empréstimo
que não exige o pagamento de juros até a liquidação da dívida
e que para liquidar a dívida, basta restituir o capital emprestado.
Mas não é impossível que os juros já tenham sido pagos por
ocasião do empréstimo ou incluídos no montante do capital. 32.
76
No contrato qlptum, o depositário se torna proprietário dos
objetos emprestados pelo simples reembolso de uma soma ou
quantidade igual de mercadoria. 32'
O § 16 proíbe que a filhos, considerados menores por vive-
rem ainda na comunidade da casa paterna, e a escravos seja
feito um empréstimo de tipo qlptum. Ao que parece, os emprés-
timos tipo qlptum não gozavam da confiança dos legisladores
babilônicos. Hammurabi determina no § 111: «Se uma taberneira
deu a crédito (a-na qi-ip-tim id-di-in) um jarro de cerveja: na
colheita ela tomará 5 BÁN (cerca de 50 I) de grão». 326O legis-
lador queria, sem dúvida, prevenir abusos e por isso prescreve
uma quantidade determinada de cevada para reembolsar a taber-
neira em um caso de empréstimo tipo qlptum. Szlechter cita um
exemplo mais radical ainda, contido no texto BM 78.259 da
época cassita.327 Uma das prescrições desse documento legal
determina: sãbitum sa sikãrum u se-am i-qí-pu mi-im-ma
sa i-qi-pu ú-ul ú-sa-ad-da-an: «A taberneira que deu a crédito
cerveja ou cevada não poderá se fazer reembolsar daquilo que
deu a crédito».323 O legislador proíbe, neste texto, a taberneira
de conceder empréstimos, tipo qlptum, de 'cerveja ou de cevada.
 proibição uo § \ \')uo Código ue. Es\munna é mais ge.ral.
Se a relacionamos com o § 15, pode-se interpretar o § 16 como
uma proibição feita tanto ao comerciante como à taberneira de
conceder empréstimos tipo qlptum aos filhos dependentes da casa
paterna e aos escravos. O emprego do empréstimo qlptum era,
provavelmente, um modo usado pelos comerciantes e taberneiras
para burlar o direito vigente. 329
fait l'objet du prêt... Cependant, rien ne garantit que I'intérêt n'ait pas
été immédiatement payé au moment du prêt, ou que Ia somme mentionnée
comme capital ne soit pas constituée ,en réalité par le capital plus les
intérêts».
325. Cf. idem, p. 72: «Sous Ia dénomination de qiptum il y a bien
d'entendre, au sens précis du terme, le depositum ,irregulare, c'est-à-dire
le dépôt qui porte sur des objets in genere dont le dépositaire devient
propriétaire à charge de rembourser une somme égale de merchandises».
326. Cf. a tradução portuguesa de E. Bouzon: O Código de Hammu-
rabi, p. 55.
327. O texto BM 78.259 foi publicado por S. Langdon 'em Proceedings
of the Society of Biblical Archeology, vol. XXXVI, 1914, p. 100s.
328. Idem, col. I. 14.
329. Cf. aS considerações de E. Szlechter, Les Lois d'Esnunna, p. 73.
77
§ 17
§ 18
78
o § 18 foi transmitido apenas pela tábua «B» I, 16-18. A
prótase do parágrafo caracteriza bem a sua casuística: o noivo
tomou a noiva como esposa e esta entrou em sua casa. Trata-se,
pois, de um casamento consumado. Uma pequena lacuna do
texto na segunda parte da prótase dificulta a sua compreensão. 333
A edição standard de A. Goetze interpreta e transcreve o texto
desta maneira: u (?) a-a:g.-:g.a-ru-um (?) kal-la-tum a-na si-im-
tim it-ta-Ia-ak, que ele traduz: «... but soon afterward the
young woman deceases ... ». 234Goetze lê, portanto, na lacuna do
texto um advérbio a:g.:g.arum,que ele interpreta como uma variante
dialetal de warkanum = «depois».'35 E. Szlechter lê: lU-li
a-a:g.-:g.a-ru-lI kal-Ia-tum a-na si-im-tim it-ta-Ia-ak, que traduz:
«. .. 'et si apres que Ia jeune femme est décédée, il (le mâr
awilim) est en retard (pour Ia restitution de Ia dot) ... ».33"
Seguindo von Soden E. Szlechter traduz o termo a:g.:g.aru
a:11,
333. Cf. art. dt. em Symbalae... Martina David dedicatae, vaI. 11,
p. 72.
334. Cf. The Laws af Eshnunna, p. 59-60.
335. Cf. ibid. p. 60.
336. Cf. Les Lois d'Esnunna, p. 20.
337. Cf. AHW I, p. 20a: a{i{iarum: «im Rückstand befindlich ... »
338. E. SzIechter, Les Lais d'Esnunna, p. 49s: «La Iai envisage
expressément le cas du déces de Ia jeune épause (kaIlatum). Le mari
devait rendre Ie sheriqtum, et pauvait aIlors reprendre Ia terOatum.
Cependant, s',i! se trouvait en retard pau r Ia restitution de Ia dot, i!
n'avait droit qu'à Ia part de Ia teruatum qui excede da dot».
339. Cf. art. cit. em SymbaIae... Martino David dedicatae vaI. 11,
p. 73.
340. Cf. a forma disjuntiva do § 17. B. Landsberger argumenta, com
razão: «Der WechseI im Ausdruck (§ 17: ina kilallen isten) ist eine
von manchen Sti!eigentümlichkeiten des LE, durch die er sich vou KH
unterscheidet» (d. ibid. p. 73).
79
feito pela morte do noivo ou da noiva, subentendido, sem deixar
filhos. Como proceder nestes casos em relação à terlJ.atum? A
resposta a esta questão é dada na apódose em três proposições
curtas. A primeira frase ma-Ia ub-Iu: «o que ele tiver trazido»
deve ser compreendida dentro do contexto geral dos §§ 17-18.
Essa proposição refere-se, sem dúvida, à terlJ.atum introduzida
na prótase do § 17: DUMU LÚ a-na É e-mi-im ter-lJ.a-tam
li-bi-il-ma: «o filho de um awilum (que) levou a terlJ.atum para
a casa de seu sogro». O problema das. três frases da apódose está,
sem dúvida, na determinação do sujeito. O laconismo da frase
acádica dificulta enormemente a sua clareza e compreensão.
A. Goetze"" E. Szlechter'<2 e outros especialistas ••• inter-
pretam este parágrafo à luz do § 164 do Código de Hammurabi,
que prescreve: «Se o seu sogro não lhe devolveu a terlJ.atum:
ele deduzirá do seu dote o correspondente à sua terlJ.atum e
restituirá o (resto de) seu dote à casa de seu pai».'44 Para
Goetze, o § 18 trata exclusivamente do caso da morte prematura
da esposa. "'" O viúvo não poderá exigir de volta a terlJ.atum
paga ao sogro, mas terá o direito de ficar com o dote, mesmo
que o montante deste seja mais elevado do que o da terlJ.atum .•••
É este o sentido da frase: «ele tomará o seu excedente». Na
interpretação de Goetze, o sujeito das três frases da apódose é,
portanto, o noivo.
Para E. Szlechter, o § 18 prevê apenas o caso de morte
da esposa.3H Como já foi mencionado acima, é introduzido aqui
80
um elemento novo: o retardamento em devolver o dote. Neste
caso o marido viúvo não podia exigir do sogro a devolução da
terbatum. Ele tinha, apenas, o direito de cobrar de seu sogro
a parte da terbatum que excedia o valor do dote. 3'"
R. Yaron em seu comentário ao § 18 apresenta uma solução
que ele mesmo chama de eclética. O sujeito da expressão ma-Ia
ub-lu: «o que ele trouxe» é o noivo. O sujeito dos outros verbos
da apódose ú-ul ú-se-e~-~é: «não fará sair»... i-Ia-eq-qé
«tomará» é o sogro. 3,.,
B. Landsberger apresenta uma interpretação totalmente di-
ferente.350 O § 18 trata, segundo ele, da morte prematura de
uma das partes. O sujeito dos três verbos da apódose é o
marido viúvo ou os descendentes deste. A lei prevê que, nestes
casos, o pai da esposa não tem a obrigação de devolver a terl)a-
tum, mas deve restituir o que ganhou pelo investimento da quantia
da terbatum na forma dos juros correntes. 30,
Como já foi observado acima, o estilo telegráfico em que a
apódose do § 18 foi formulada dificulta a sua interpretação.
As três frases: ma-Ia ub-Iu: «o que tiver trazido»; ú-ul ú-se-
e~-~é: «não fará sair» e wa-tar-sú-ma i-Ie-qé: «tomará o seu
excedente» podem ter como sujeito tanto o marido viúvo como
também o sogro, pai da esposa falecida. Deve-se, contudo,
examinar o § 18 das leis de Eshnunna dentro do contexto da
tradição legal da Babilônia. E aqui, a tradição legal expressa
nos §§ 163 e 164 do «Código de Hammurabi» oferece, sem
81
dúvida, subsídios para a interpretação do nosso parágrafo. A
casuística do § 18 trata de um casamento consumado, mas pre-
maturamente acabado pela morte de um dos cônjuges. Além
disso, pressupõe-se que esse casamento não tenha filhos. Como
proceder nestes casos com a terlJ.atum e com o dote?
O objeto da primeira frase é, certamente, a terlJ.atum e o
sujeito da frase o marido. A segunda frase ú-ul ú-Se-e1jH?é;
«ele não fará sair», parece referir-se, também, à terlJ.atum. Neste
caso o sujeito será igualmente o marido. Ele, o esposo, ou a
família dele, não exigirá do sogro a entrega da terlJ.atum. Nesta
perspectiva a terceira frase wa-tar-su i-le-qé: «tomará o seu
excedente» terá igualmente por sujeito o esposo ou a família
deste. Portanto no caso de morte da esposa, o viúvo - e no
caso da morte do jovem esposo 3 família dele - não podia
exigir do sogro a restituição da quantia paga como terlJ.atum.
O esposo - ou a sua família - podia ficar com o dote trazido
pela mulher para a comunidade familiar. O único direito que o
esposo, ou a família deste, tinha era exigir que o sogro devol-
vesse o excedente, no caso em que a quantia paga como terlJ.a-
tum fosse superior à quantia trazida pela mulher 'como dote.
§ 18a
82
evessem ser restituídos. B. Landsberger, coerente com a inter-
pretação dada ao § 18, vê neste parágrafo a determinação dos
~uros que devem ser pagos pelo lucro no investimento da prata
paga como terbatum. - Na «editio standard», Goetze, embora
onservando a numeração § 18a, interpreta este parágrafo como
uma determinação da taxa de juros legais para empréstimos em
creral. 355Também E. Szlechter interpreta o § 18a em uma linha
e taxa de juros moratórios em geral. """
No § 18a a taxa de juros máxima permitida para 1 siclo
de prata é, ao ano, 1/6 de siclo e 6 sE. O sE - em geral
raduzido por «grão» - é a medida de peso que corresponde a
1/180 do siclo. A taxa de juros, calculada em sE, é, pois, de 36
sE para cada siclo, ou seja para 180 sE. Era, pois, permitido
para a prata juros de 20% ao ano. Quando se tratava de ceva-
a, os juros eram maiores. Para um GUR de cevada, que cor-
responde a 300 qa - cerca de 300 litros - era permitido como
juros 1 pan e 4 saí. A medida pãn corresponde a 1/5 do GUR,
ar tanto 60 qa ou 60 litros. O sutum, também uma medida de
capacidade babilônica, correspondia a 10 qa, ou seja, 10 litros.
Os juros permitidos eram pois 100 qa - cerca de 100 litros -
por cada 300 qa, o que corresponde a uma taxa de 33 1/3%.
Para o caso da prata, sabe-se que 20% era a taxa rlOrmal cor-
~ente na tradição legal da Babilônia. O Código de Hammurabi
~etermina: «Se um mercador emprestou grão com juros: ele
"ornará por 1 GUR de grão... como juros. Se ele emprestou
. rata com juros: ele tomará por um siclo de prata como juros
1/6 de siclo e 6 grãos».351 Infelizmente o estado lacunar deste
354. Cf. art. cit. publicado em Symbolae ... Martino David dedicatae
-=-01.lI, p. 74: «b) § 18 kann kein selbstandiger Gesetzesartikel sein;
-ãre er es, so müsste er anders lauten; u:;;:;;ab hat kein Subjekt, dies
~n nur dem § 18 entnommen werden, obgleich Hãrte des Subjekt-
-echsels zugegeben werden muss.
355. Cf. A. Goetze, The Laws of Eshnunna - The Annual of the
.-illlerican Schools of Oriental Research, vol. 31 (1951-1952), New Haven,
:956, p. 67s.
356. Cf. E. Szlechter, Les Lois d'Esnunna, p. 80: «Commeht justifier
:'insertion dans l'art. 18(l8a) de dispositions relatives au taux d'intérêt?
II nous parait peu probable qu'el1es se rapportent uniquement à une dette
~ésultant des dons matrimoniaux et fassent partie de l'art. 18. Nous
íOyons qu'il faut plutôt leur assigner une portée plus large, et considérer
u'elles concernent l'intérêt moratoire en général. .. »
357. Cf. E. Bouzon, O Código de Hammurabi, § L, p. 49.
83
texto de Hammurabi não nos permite conhecer os juros permi-
tidos para o grão; mas, no caso da prata, os juros eram os
mesmos; 1/6 de sido + 6 sE, ou seja, 36 sE (grãos).
§ 19
358. Cf. Les Lois d'Esnunna, p. 79: «En premier lieu, l'empIoi de
I'expression «ana mel].rishu» qui suppose Ia remboursement de I'equiva-
lent de ce qui a eté prêté».
359. Cf. ibid. p. 20.
360. Cf. The Laws of Eshnunna, p. 66s. «The 'ana mebri-su' of our
§ 19 can be undersfood as meaning in (terms of) its equivalent, i.e:
recording in the deed nrt the amount actually lent, but the amount to
be repaid». Em Ancient Near Eastern Texts relating to the Old Testa-
ment, p. 162, Goetze trpduz o § 19: «The man who gives (a loan) in
terms of his retake shall make (the debtor) pay on the threshing floor».
361. Cf. W. von S()den, AHW, p. 640b.
84
·:m me-eb-ri-su): arrancarão o seu dente». Aqui a expressão
362
§ 20
85
4 sat, Lé: 100 litros por cada GUR, Lé: 300 litros. A taxa de
juros de 33 1/3% é a mesma prevista no § 18a.
A prótase consta de duas proposições. A primeira, introdu-
zida pela partícula summa =«se» está incompleta no texto
transmitido. Falta o objeto do verbo iddin =
«deu» (empres-
tou): o empréstimo foi em cevada ou em prata? A lacuna apó
a partícula «ana» = «para», nos impede de conhecer o tipo de
empréstimo previsto aqui no pa::" grafo. A segunda frase da
prótase parece introduzir na casuística do parágrafo uma cir-
cunstância nova, que o legislador deseja tratar. Mas foi conser-
vado apenas: se-a-am a-na KÚ.BABBAR i-te-x-x: «cevada em
prata ... » Justamente a forma verbal está mutilada; foram con-
servados apenas dois sinais cuneiformes facilmente legíveis. Daí
as conjecturas e tentativas de completar o texto serem inúmeras.
A Goetze na edição standard sugere algumas emendas ao
texto e lê: sum-ma awlhim ka[spam] a-na qa? -aq-qa? - di?
- ma id-di-in-ma; que ele traduz: <<lfa man lends out money to
the amount recorded ... ».367Trata-se, pois, conforme Goetze, de
um empréstimo de prata «ana qaqqadim», Lé: como capital. Na
segunda proposição da apódose ele completa a lacuna correspon-
dente ao verbo e lê i-te- [wi-sum], que na edição «princeps» ele
traduziu por «expresses to him» derivado do verbo awum =
falar 368;mas já na edição standard de 1956 ele fez derivar a
forma i-te-wi-sum de um verbo ewum = «to equal».369 Baseado
nessa nova derivação, Goetze traduz a frase se-a-am a-na
KÚ.BABBAR i-te-wi-sum: «he has equated for him (self)
barley to silver».87o Para Goetze o credor especula com a possi-
bilidade de uma alta de preço da cevada. 3'11
E. SzIechter propõe para a primeira frase da prótase 2.
seguinte leitura do texto: sum-ma awIlum [se-a-am] a-na na'?
as? - pa-ku-tim?-ma, que traduz: «Si un citoyen donne
de [l'orge pour (payer) d'engrangement] ... ».:m Na segunda
86
frase Szlechter conserva a forma i-te-wi-8um proposta por
Goetze na edição «princeps» e traduz: «... et bien que (Ia res-
titution de) l'orge en argent soit stipulée ... ».373Para Szlechter,
o § 20 tenta coibir um tipo especial de usura. O empréstimo de
cevada era em geral feito antes da colheita, em um tempo onde
o preço dos cereais era mais alto. Era, pois, interesse do credor
exigir no ato do empréstimo que o pagamento fosse feito em
prata, sabendo qt~ durante a colheita o preço da cevada, neces-
sariamente, cairia. 37'
B. Landsberger apresenta uma outra leitura do texto da
prótase com conjecturas textuais bastante diferentes: sum-ma
Lú se-a-am a-na GIs.APIN u GIs.TuN id-di-in-ma - «Se um
awl!um emprestou cevada para (o cultivo com) arado ou enxada»
- se-a-am a-na Ku .BABBAR us-te-pi- [e1] «e quer 'converter a
cevada em prata ... ».375 Na cópia da tábua «A», feita por
Goetze, a leitura GIs.APIN e GIs.TUN é possível. Neste caso
o § 20 trataria de um empréstimo de sementes para o plantio.
Embora o tipo de empréstimo tratado neste parágrafo, por
causa do estado lacunar da tábua cuneiforme, não nos seja
conhecido e todas as tentativas de correção e complementação
do texto permaneçam no campo da conjectura, o sentido geral do
§ 20 parece claro. A sugestão de leitura se-a-am =
«cevada»
na primeira frase da prótase parece-nos a mais provável. O §
20 trataria, portanto, de um empréstimo de cevada. Por ocasião
do contrato de empréstimo o credor estipulou que a dívida de
cevada seria paga no correspondente em prata. O credor espe-
culava, sem dúvida, com o fato de a cevada durante a colheita
sofrer uma queda nos preços. Tendo emprestado a cevada du-
rante o período de alta e convertendo a quantia da dívida em
prata durante a baixa de preços, o credor teria, certamente,
uma boa margem de lucro. A intenção do legislador é impedir
esse tipo de usura. O devedor pode por lei, durante a colheita,
87
pagar a sua dívida de cevada, com cevada, ainda que tenha
consentido a conversão da dívida em prata. O § 20 visa,
pois, proteger o devedor contra um tipo especial de usura. 376
O pagamento em cevada está, naturalmente, ligado à taxa de
juros de 33 1/3% prevista no § 18a. Uma determinação paralela
à do § 20 encontra-se, provavelmente, no § M do Código de
Hammurabi: «Se um awilum, que tem uma dívida, não tem
prata para restituir, mas tem grão: o merQ.ador tomará como
juros o correspondente em grão de acordo com as prescrições
do rei. Se o mercador exigiu como juros mais do que... por 1
GUR de grão ou 1/6 de siclo e 6 grãos [por um siclo de prata]
perderá tudo o que emprestou».371 Aqui Hammurabi permite a
um awilum devedor, que tomou prata emprestada a um merca-
dor, pagar a sua dívida com o correspondente em cereais à
prata emprestada.
§ 21
88
E. Szlechter compara a prótase do § 21 com a prótase do
§ L do Código de Hammurabi 330e explica a expressão ana
panisu como um substituto de ana l)ubuIlim.381 Trata-se, pois,
de um empréstimo a juros. Szlechter conclui: «Dans les lois
d'Eshnunna, Ia locution ana pa,ni définit Ia nature juridique du
rapport prévu par I'art. 21, c'est-à-dire du prêt. En employant
cette expression, le législateur entendait souligner, d'une part,
qu'il y avait trar~f2rt de Ia possession de I'argent et, d'autre
part, que ce transfert était temporaire, c'est-à-dire que le débi-
teur devait rembourser Ia somme reçue... De même, le cara c-
tere onéreux du prêt ne découle que de I'adjonction de Ia c1ause
reIative aux intérêts».3S2 Contudo não parece metodologicamente
certa a equiparação de ana lJ.ubuIlim com ana panisu. Não há base
suficiente no material jurídico encontrado para uma tal afirmação.
B. Landsberger traduz a expressão ana panisu por «como
adiantamento». $S3Tratar-se-ia, neste caso, de um empréstimo
como adiantamento para a futura colheita.
Como se vê, o significado da expressão ana panisu não é
claro. Partindo do significado literal de ana panisu = «à sua
disposição», apresenta alguma probabilidade a explicação de R.
Yaron. ZS4 Para ele, o § 21 trataria de casos em que o dinheiro
era colocado à disposição de alguém, mas esse alguém não
buscava o dinheiro emprestado. Podia surgir então a questão:
que juros pagar em tais casos?
Os juros previstos na apódose são os mesmos do § 18a:
1/6 de siclo = 30 se (grãos) + 6 se (grãos) = 36 se (grãos)
ou sej a: 20% de juros ao ano.
89
§ 22
90
silver in fuIl compensation for the slave-girI». E. Szlechter
aoo
390. Goetze comenta ibid. p. 73: «The noun tabbum (§ 22) requi-
~es some comment. It recurs in § 53 where the expression taá!:Ji alpim
mitim «tabbum of the dead ox» is used in paraIlelism with, and con-
,radistinction to, sim alpim baltim «simum of the live ox». In that passage
he relationship between simum and tabbum becomes clear; simum is
c:price» i.é. the amount actually paid for some specific good, talJlJum
on the other hand, is «value», i.é. the abstract amount which one might
~ealize for some specific good or some specific service».
391. Cf. Les Lois d'Esnunna, p. 21.
392. Cf. ALOr. 17/2, p. 370.
393. Cf. as consider.ações de R. Yaron, The Laws of Eshnunna,
;I. 183s.
394. Cf. a tradução de E. Bouzon, O Código de Hammurabi, p. 56:
e um awIlum não tem (exigências de) grão ou prata sobre um (outro)
2wIlum e tomou sua garantia: por cada garantia ele pesará 1/3 de
=a mina de prata».
395. Cf. P. Garelli, Le Proche-Orient Asiatique, p. 278s.
91
§ 23/24
morrer.
92
su na fórmula e-li-su? Como as garantias previstas são a
mulher ou o filho de um muskênum, o pronome em questão
deve referir-se ao muskênum. O parágrafo trata, portanto, de
um awIlum que, não sendo credor de um muskênum, lhe toma
a esposa ou o filho como garantia e o penhor vem a morrer na
casa do pseudo-credor por culpa deste. Para estes casos é
prevista a pena capital. Na apódose o caso é classificado como
di-in na-pÍ-is-tim: «processo de vida», a pena imposta: ne-pu-ú
sa ip-pu-ú i-ma-a-at: «Aquele que penhorou deverá morrer».
§ 25
Este parágrafo nos foi transmitido pela tábua «A» lI, 26-28.
Todos os problemas de interpretação neste parágrafo se con-
centram na prótase. A apódose é clara e simples: O pai da filha
- i.é: o sogro - deverá restituir em dobro a quantia recebida
como terlJ.atum. Mas em que circunstâncias a terlJ.atum devia
ser devolvida em dobro? Para responder a esta questão é ne-
cessário responder a algumas dificuldades textuais e lexicais. A
primei-ra dificuldade é a expressão a-na É e-mi is-si-ma. A difi-
culd~de )a,ra a tradução desta frase está na falta de paralelos.
A. d10etze Ii:t", «editio princeps» 'os e em ANET traduzia: «calls
309
93
une action contre Ia maison de son beau-pere ... ». A expressão <01
(1965),
(1963), p.p. 23-29.
177s; R. Yaron, The Rejeeted !.
jBridegroom, Orientalia 34
p. 127-136.
405. Cf.
406. Cf. ibid.
J. J.p. Finke!stein, «ana
127. Na p. 135 tentabitumerimtradução
saso.»,mais
RA aproximada:
61 (1967),
«I requested that PN, your son, be wedded formalIy (to my daughter».
407. Cf. R. Yaron, The Laws of Eshnunna, p. 126.
94
/
Yaron <OS«claimed consummation» parece a melhor tanto para o
.§ 25 como para os dois outros textos acima tratados.
O segundo verbo da prótase ik-si-:su-ma 409causa, também,
algumas dificuldades. A. Ooetze o deriva de uma raiz kasãsum,
e traduz por «takes him in bondage» 410, que, naturalmente
combina com a tradução dada por Goetze à expressão ana bit
emim issima: «offers to serve in the house of (his) father-in-
law ... » Provavelmente, contudo, deve-se derivar da raiz kasum
I que von Soden registra com o significado de «ungerecht behan-
deln».411.Daí, a nossa tradução «o tratou injustamente». 412
A terceira dificuldade da prótase é a lacuna no texto da
linha 27, que seguindo vários outros autores 41" completamos
com o termo san'Ím lendo: a-na [sa-ni-im i 1 t-ta-di-in: «e deu a
um outro».
Com estas explicações pode-se tentar reconstruir melhor a
casuística do § 25: Um awilum, que certamente já pagou a seu
futuro sogro a quantia estipulada como tergatum, exige que sua
noiva lhe seja entregue. Mas o sogro recusa a exigência do
awIlum e dá a sua filha em casamento a um outro. A pena
imposta ao pai da jovem, que quebrou o contrato iniciado com
o pagamento da tergatum, é restituir em dobro a quantia paga
como terb-atum. O Código de Hammurabi nos §§ 160 e 161 414
95
apresenta um bom paralelo para ilustrar a casuística do nosso
parágrafo. No § 29 do Código de Lipit-Ishtar - um paralelo ao
§ 161 do Código de Hammurabi - a pena é a simples restituição
da quantia paga ao sogro.ill
§ 26
ele restituirá o dobro de tudo quanto lhe tiver sido trazido». § 161: «Se
um awIlum enviou o presente nupcial para a casa de seu sogro e pagou
a terl].atum e (então) seu amigo o difamou e seu sogro disse ao esposo:
«Não tomarás minha filha como esposa»: ele restituirá o dobro de tudo
que lhe foi trazido e seu amigo não poderá tomar sua mulher como
esposa».
415. Cf. em Ancient Near Eastern Textsrelating to the OT em
tradução inglesa de N. Kramer: § 29: <<!fa son-in-Iaw has entered the
house of his (prospedive) father-in-Iaw (and) he made his betrothal
(but) afterwar~hêY\nade him go out (of the house) and gave his
wife to his companion, they shall present to him the betrothal-gifts which
he brought (and) that vhfe may not marry his companion».
416. Cf. G. Cardm\cia, Les Lois Assyriennes, p. 247, tábua «A»
§ 55:
Ia maison
«[Si de]
un homme,jIa
son pet' dont
fiI]le [Ie
d'unpudendum]
awIlu, vierge,
n'a [qui
pas été
dem]eure
souillé,[dans
que
l'on n'a P" Mil"}?' qai n'a :a; '" ma";" (,t pone qai) oncon
bíblica do livro do Deuteronâmio: «Se um homem encontrar uma
jovem virgem que não esteja noiva e a violentar, dormir com
ela e se forem surpreendidos em flagrante, o homem, que dormiu
com ela, dará ao pai da jovem cinqüenta sicIos ,de prata e ela
será sua mulher, porque a violou. Não poderá repudiá-Ia
enquanto viver». m
Em se tratando, porém, de uma mulher casada, as mesmas
leis assírias aplicavam a pena de morte para os casos de
viol'entação. 418
A primeira frase da prótase enumera um elemento essencial
na casuística do § 26: o pagamento da terl)atum. Recebendo a
terl)atum, o pai da noiva consente com o casamento e é efetuado
o noivado, que cria laços jurídicos entre a jovem e aquele que
pagou a terl)atum: ela se torna assatum = «esposa».41D A
violentação de uma assatum é considerada, em geral, como um
crime capital. 420
97
Um outro elemento essencial é a falta de consentimento dos
pais da jovem. Se estes tivessem consentido com o rapto, estaria
caracterizada uma quebra da promessa de noivado e seria
aplicado o § 25: O pai da noiva deveria devolver em dobro a
quantia paga como terl)atum. A frase ba-Ium sa-al a-bi-sa u
4.21
apenas nas leis hititas que resolvem o problema por meio de uma com-
pensação financeira. Cf. A. Goetze, em Ancient Near. Eastern Texts
relating to the OT, p. 190 § 28: «If a girl is promised to a man, but
another (man) elopes with her, as soon as he elopes, he shall compensate
the first man for whatever he (has given); her parents will not make
any compensation. But if the parents give her to another man, the
parents will make compensation. If the parents refuse (to make com-
pensation), they shaIl withhold her from him».
421. Cf. R. Yaron, The Laws of Eshnunna, p. 186. Cf. tb. E. Szlechter
Les Lois d'Esnunna, p. 124.
422. Cf. W. von Soden, AHW, p. 624b: masã'um: I «gewaItsam
wegnehmen, rauben».
423. Cf. W. von Soden, AHW, p. 743a: naqãbum (sem.) «(durch-
bohren), deflorieren».
424. Cf. R. Yaron;-The Laws of Eshnunna, p. 186: «Her consent
would become important only when her own fate carne to be decided: force
used upon her absolves her punishment; consent, actual or implied by
the circumstances, renders her equally guilty; the case would probably
§ 28
99
§ 27
§ 28
99
mari».427 As leis de Eshnunna parecem não admitir a validade
legal desse tipo de casamento. As leis assírias prevêem uma
exceção no caso de uma viúva (almaítu), que após dois anos
de coabitação, mesmo sem contrato matrimonial, se torna
esposa . .,. ! I~:
,~,.i;;
Para uma reta compreensão dos §§ 27 e 28 é necessano
esclarecer o significado dos dois termos kirrum e riksãtum. O
termo ri'ksãtum é, em geral, traduzido por «contrato». 429O signi-
ficado de kirrum, porém, é muito discutido. A. Goetze e outros
autores lêem, em vez de kirru, girru e interpretam a forma
gir-ra-am li ri-ik-sa-tim como uma hendiadis com o significado
de «formal marriage contract».'30 B. Landsberger fez um estudo
detalhado do termo e chegou ao significado de «Hochzeitsge-
lage»: «festim nupcial» que foi seguido nesta tradução.
4111
427. Cf. E. Szlechter, ibid. p. 50. Cf. contudo R. Yaron, The Laws of
Eshnunna, p. 133.
428, Cf. G. Cardascia, Les Lois Assyriennes, p. 181, § 34: «Si un
homme a pris une (veuve) almattu sans rédiger un acte de marriage
(et si)elle habite deux ans dans sa maison, eIle (est) son épouse: eIle
ne s'en ira pas».
429. Cf. W. von Soden, AHW, p. 984a. Cf. tb. S. Greengus, Old
babylo!)i-an Marriage Ceremonies and Rites, jCS 20 (1966), p. 62, nota 44.
130, Cf. A. Goetze, The Laws of Eshnunna, p, 76 e esp, p, 79 onde
escreve: «I'n § 27 we read girrum u riksãtum, jn § 28 with inverted
wortl order riksãtum u girrum. The hendiadys apparently corresponds to
riksãtum of CH § 128 which denotes the formalcontract. The additional
gitrum seems to add nothing essentiaIly new. It probably refers to the
sé'aling of the respective tablets; that grr (also) means «roIl (a seal)>> is
ihdicated by jEN 330 12f.: U tup-pa sa maru-ti dayyãnu mes-nu il-ta-at-ru
lu
out and had their seals rolled (over it) », Cf. tb. A. Pohl, Orientalia NS 22
(1953), 222-223, que traduz a expressão girram u riksãttum por
«gesiegelter Ehevertrag».
na4 kunukke-su-nu
431. ge-er-ri-ru
Cf. Neue Lesungen und «the judges um
Deutungen had Gesetzbuch
an adoptionvon
tablet made
Esnunna,
apêndice ao art. «jungfraulichkeit» em Symbolae Iuridicae et historicae
Martino David dedicatae, Tomus Alter, p. 75s.
100
o Código de Hammurabi no § 128 determina: «Se um
awIlum tomou uma esposa e não redigiu o seu contrato: essa
mulher não é esposa». 432Embora os compiladores do Código de
Hammurabi possam ter tido como base o mesmo material jurídico
que tiveram os compiladores das leis de Eshnunna, contudo a
formulação final do § 128 do CH resume as exigências a um
único elemento essencial: a redação de um contrato matrimonial
(riksãtum).433
§ 29
101
, W G S
~Jig~Q Setorla1 de (..;l~n.clas
_'o
SC,,~,j3e H11nWl1~
rapto"', exprimindo a idéia de raptar alguém. O fator «tempo
de ausência» é vagamente descrito pela fórmula uÇm [i ar-
ku- tim 1 = «longo tempo» e parece não ser na intenção do
legislador de Eshnunna um elemento essencial. Nas leis assírias
437
102
§ 30
103
ik-ki-im, cuja tradução aproximada seria «em um momento de
mau humor», «em um momento de raiva». 5" A tradução acima
apresentada seguiu a conjectura proposta por B. Landsberger
i-na ek-Iu-tim = «no escuro».· •• Esta leitura permanece sempre
umaconjectura. Por isso, torna-se praticamente impossível uma
interpretação exata do parágrafo. Se a leitura proposta por
Landsberger for certa, ,então o § 44 determina que, se um
aw:ilum em um lugar escuro empurrou um outro aw:ilum e na
queda este quebrou um braço, o agressor deverá compensar o
seu delito com o pagamento de meia mina, i.é: cerca de 250 g
de prata. O § 45 prevê uma outra conseqüência da queda: a
fratura de um pé. A compensação imposta é igual: meia mina
de prata (250 g).
Na legislação bíblica é aplicada em casos análogos a pena
de talião 5" sem maiores matizes.
As leis hititas tratam nos §§ 11-12 de um caso análogo.
Mas o teor da lei é bem mais geral, sem a determinação das
circunstâncias que parecem envolver os §§ 44/45 das leis de
Eshnunna. Na lei hitita o § 11 determina que, se alguém quebrar
a mão ou pé de um homem livre, deverá pagar uma compen-
sação de 20 sidos de prata. Se se tratar da mão ou do pé de
538
§ 46
Se um aw"ilum bateu em um (outro) awllum e quebrou o
seu ... : pesará 2/3 de uma mina de prata.
127
Essas dificuldades textuais tornam praticamente impossível
uma interpretação exata do § 46. Além do mais, trata-se de uma
casuística específica das leis de Eshnunna. Faltam-nos paralelos
nas leis de Hammurabi e nas leis hititas. Seguindo a reconstru-
ção do texto l].a-sa-su = «seu pulmão» proposta por Landsber-
ger, a lei determinaria que, s'e um awilum batesse em um outro
awilum e o ferisse na região pulmonar, deveria pagar como
compensação 2/3 (?) de uma mina de prata, que corresponde
a 40 siclos ou cerca de 320 g de prata.
§ 47
128
dicionário com o significado de «scharfen» =
«afiar».55<l Mas
no n. 3 'ele admite um sentido lato não conhecido para a raiz
no texto de Eshnunna. 551
No seu contexto atual, entre os parágrafos que tratam das
lesões corporais, o -significado mais provável do termo deve ser
«ferir», «machucar». 552
Se o termo que se perdeu na lacuna da tábua significa «em
uma briga», e se o significado da raiz sêlum para o contexto
do § 47 é, aproximadamente, «ferir», «machucar», a intenção
do parágrafo é tratar de ferimentos que podem surgir durante
uma briga. Se a vítima é ferida, ,mas apenas com alguma esco-
riação, sem fratura de ossos, dentes etc... o agressor será
punido com uma muIta de 10 sidos de prata, i.é: cerca de 80 g
de prata. A mesma compensação é imposta no § 42 para o caso
de uma bofetada.
No Código de Hammurabi, as agressões feitas durante uma
briga recebem uma solução diferente da apresentada nas leis de
Eshnunna. No § 206 lê-se: «Se um awl1um agrediu em uma
briga um (outro) aWllum e lhe infligiu um ferimento: esse
awl1um deverá jurar: «Não o agredi deliberadamente»; além
disso deverá pagar o médico». 553 Se a vítima morresse dos feri-
mentos causados não era imposta a pena de talião, mas o
agressor devia jurar que não agiu deliberadamente e era imposta
uma compensação em prata, cuja quantidade dependia da posi-
ção social do agredido: Se o agredido fosse um awl1um: 1/2
mina (cerca de 250 g) de prata 551; se fosse um muskênum: 1/3
de uma mina (cerca de 165 g) de prata. "'.
129
§ 48
130
::: ;2"2 julgar os delitos punidos com uma pena menor do
_ = "=-=::2 siclos (1/3 de mina). Esses casos eram, certamente,
-- :==, etência do sakkanakkum = «governador» ou de juizes
-'::'-=. ais, A falta de alusão a penas superiores a 60 siclos,
::õ.=:) nas leis de Eshnunna, como no Código de Hammurabi,
::::--2:-s.o,sem dúvida, ao fato de não existirem, na legislação babi-
.=::.: -a, multas superiores a uma mina (= 60 siclos) de prata.
~ :=--ressante, neste contexto, citar um texto de Mari, do período
:=Ebilônico antigo, onse é aplicada uma penalidade de dez minas
-'" prata.5OO Mas esse texto de Mari explicita claramente
=-C.BABBAR din na-ap-si-tim: «prata de um processo de vida».
5mbora esse texto de Mari seja proveniente de um outro con-
texTO literário - trata-se de um contrato -, contudo ele reflete,
rovavelmente, o resultado de uma intervenção do rei, comu-
!ando uma pena capital em uma compensação financeira bastante
levada. '""
O § 48 termina com a cláusula a-wa-at na-pÍ-is-tim a-na
LUOAL-ma: «um processo de vida (pertence) ao rei». Esta
cláusula limita, pois, a competência dos juizes. Os delitos, para
os quais era prevista a pena de morte (§§ 12, 13, 24, 26, 28,
58), só podiam ser julgados pelo próprio rei ou por um tribunal
presidido por ele ou por um delegado seu.
131
§ 49
132
Na Babilônia a legislação de Hammurabi era muito mais
rigorosa, punindo todo aquele que retivesse em sua casa um
escravo fugitivo com a pena de morte. 565
A legislação hitita nos §§ 20 e 21 nos apresenta uma dis-
tinção interessante. Se um hitita roubar um escravo hitita da
terra Luwija e o trouxer para a terra hitita e o seu dono o
encontrar: o ladrão, além de devolver o escravo, deverá pagar
uma compensação de 12 sidos de prata.566 Se porém se tratar
de um escravo de Luwija trazido para a terra hitita e encontrado
pelo seu proprietário: neste caso o ladrão deverá apenas resti-
tuir o escravo roubado, mas não estará obrigado a nenhuma
compensação. 561
§ 50
133
Eshnunna, mas (o) reteve em sua casa e deixou passar mais
de um mês 569: o palácio deverá acusá-Io de roubo. 5;0
134
sem dúvida, um funcionário importante, como a própria tra-
dução literal da locução - bel têrtim: «senhor da ordem» -
o demonstra. Mas desconhece-se a função específica desse
funcionário. 57.
Na formulação da tábua «A», qualquer governador, super-
visar de rio ou bel têrtim, que capturar um escravo ou uma
escrava fugitivos, ou um animal (boi, jumento) desgarrado, e
não o levar para Eshnunna, mas o retiver em sua casa, será
tratado pelo palácio como um ladrão. O texto da tábua «B»
introduz as duas especificações acima mencionadas. Várias ques-
tões surgem aqui. O texto «B» é o mais antigo ou as duas
especificações são acréscimos posteriores? A expressão «um
escravo fugitivo ou uma escrava fugitiva, um boi fugitivo ou um
jumento fugitivo do palácio ou de um muskênum» limita o sen-
tido da lei a esses dois casos específicos ou, citando os dois
extremos palácio-muskênum, quer abranger qualquer tipo de
escravo, desde o escravo do palácio até o escravo do proprie-
tário socialmente mais fraco, o muskênum? m A segunda espe-
cificação da tábua «B» é de caráter temporal: para ser acusado
de ladrão é necessário que retenha o escravo ou o animal fugitivo
urmi e-li ITU 1 KAM: «dias acima de um mês», Lé: mais de
um mês.
O § 50 não especifica a pena a ser aplicada. O parágrafo
diz apenas que o funcionário infrator deverá ser tratado como
ladrão. No § 16 a legislação de Hammurabi determina: «Se um
awílum escondeu em sua casa um escravo ou uma escrava fugi-
tivos do palácio ou de um muskênum e a convite do arauto não
fez sair: o dono dessa casa será morto»."18 Mas como, com
razão, observa E. Szlechter, não se pode simplesmente igualar
a expressão surqam ittisu itawi: «falará com ele de roubo», i.é:
«acusará de roubo» com a formulação be-el É su-ú id-da-ak:
«o dono dessa casa será morto» das leis de Hammurabi. 5"19
576. Cf. A. Goetze, The Laws of Eshnunna, p. 127: «The term beI
têrtim - literally «master of authority» - might be taken as a general
term, or it might refer to a speciaI. branch of govemment, either of a
judicial or a religious character».
577. Cf. E. Bouzon, O Código de Hammurabi, p. 29s; Cf. tb. G. R.
Driver-J. C. Miles, The Babylonian Laws, vol. 1, p. 106.
578. Cf. E. BOl1zon, op. dt. p. 30.
579. Cf. Les Lois d'Esnunna, p. 115s: «Notons que Ie Code de
Hammurabi mentionneex'pressément que Ie voleur est passible de Ia
peine de mort. Il reprend dans tous Ies cas le terme iddak apr,es avoir
indiqué ---..
que le coupable est considéré comme voleur. Si le seul em pIo i
135
Tanto o § 40 das leis de Eshnunna como o nosso § 50 não
indicam a sanção a ser aplicada ao ladrão. Dificilmente tratar-
se-á de uma pena de morte. Hammurabi menciona explicitamente
a aplicação da pena de morte. As leis de Eshnunna silenciam
completamente o tipo de pena a ser aplicado. Se, porém, com-
pararmos o nosso parágrafo com o § 49 e com texto NBC 8237
citado acima 580, poderemos concluir que a pena aplicada, tanto
no caso do § 40 como no § 50, estava em uma linha de
compensação financeira.
§ 51
de I'expression sharrâq (il est voleur) .avait suffi pour indiquer que le
voleur était frappé de Ia peine de mort, J.e Iégislateur n"aurait pas eu
besoin d'ajauter chaque fais iddak».
580. Cf. acima p. 119.
581. W. von Saden art. «Kleine Beitrãge zum Verstãndnis der
Gesetze Hammurabis und Bilalamas» em Ar.Or. 17/2 (1949), p. 3725
prefere entender que a escravo de Eshnunna tinha os três sinais: «Die
Sklaven in Eshnunna hatten hiernach ausser ihrer Sklavenmarke noch
eine Binde (kannum) und eine Fessei (maskanum) zu tragen».
582. Cf. AHW, p. 438a.
583. Cf. AHW, p. 627a.
136
«eine Haartracht», i.é: «um tipo de penteado». Os escravos de
584
§ 52
137
o § 52 foi transmitido completo e sem divergências pela
tábua «A» IV, 10-13 e pela tábua «B» IV, 14-16. Os três termos
que expressam os sinais distintivos de um escravo já foram
discutidos no parágrafo anterior. Note-se, aqui, que o termo
mãr siprim = «mensageiro» tem um significado mais amplo do
que o termo vernáculo. O mãr siprim não é apenas o portador
de uma mensagem. O termo pode também, como acertadamente
observa A. Ooetze, expressar o que hoje chamaríamos de
«enviado», «embaixador». 58. Este parágrafo trata, provavelmente,
de escravos trazidos para Eshnunna na comitiva de um legado
estrangeiro. Durante a permanência desses escravos em Eshnun-
na, a lei determina que sejam marcados com um dos sinais con-
vencionais para escravos usados em Eshnunna. ,"o
§ 53
589. Cf. The Laws of Eshnunna, p. 129s: « ... His role corresponds
to that of modern «envoy» or «ambassador» with the difference that he
was not permanently stationedat a certain court, attending there to the
relations between his lord and that court, but that he travelled back
and forth, with power limited to specific affairs».
590. Cf. tb. R. Yaron, The Laws of Eshnunna, p. 103.
591. Cf. R. Yaron, The Laws of Eshnunna, p. 192s; A. Goetze, The
Law8 of Eshnunna, p. 1378; A. Van Selms, «The Goring Ox in Babylo-
nian and Biblical Law», Ar.Or. 18/4 (1950), p. 3218.
138
~-=-'J do § 54, o legislador de Eshnunna não toca no problema
=-= :-ulpa ou negligência do proprietário do boi assassino. Na
_=-js:ação bíblica do livro Êxodo encontra-se um paralelo per-
='::::J ao nosso parágrafo. Em Ex 21,35 a lei prescreve: «Se o
==: de alguém escornear o boi de um outro e este morrer: ven-
:::::"-se-á o boi vivo e dividir-se-á o preço; também o boi morto
::c""e ser dividido». Mas a lei bíblica é mais completa e deter-
=-_:na no v. 36: «Se, porém, o proprietário sabia que o boi era
2.Scorneador e, contudo, não tomou providências: ele deverá
S'Jbstituir o boi, boi por boi; o boi morto, porém, lhe pertence».
A lei bíblica previa, pois, os casos de negligência; e em tais
.:asos o proprietário do boi assassino devia arcar com todos os
prejuízos. Ele ficava, apenas, com a carne do boi morto.
§ 54
pri,etário, mas ele não vigiou (?) o seu boi e este escorneou
um awílum e lhe causou a morte: o proprietário do boi pesará
2/3 de uma mina de prata.
139
da linha 16 oferecem a leitura GUD-su Ia ú-si-ir-ma: mas ele
não «usir» o seu boi. A forma verbal usir é, sem dúvida, um
5'"
140
de sirmum et signifie «couvrir de Ia couffe» les comes de l'ani-
mal dangereux».6()2 No texto de Hammurabi o significado do
verbo sarãmum é claro, quer se adote o significado de «aparar»,
<~cortar», registrado nos dicionários 600,quer se siga a sugestão
de Dossin de interpretar sarãmum em relação com o termo
sirmum e se traduza «cobrir os chifres». Na mesma linha deve-
se, sem dúvida, interpretar a forma «usir» do § 54. O proprie-
tário do boi, depois de avisado pelas autoridades locais do mau
costume de seu boi, deverá tomar as providências necessárias
para evitar acidentes causados pelos chifres de seu boi. Se não
tomar as providências necessárias, ele será culpado caso o seu
boi mate achifradas um awlIum e deverá, por isso, pagar uma
compensação de 2/3 de uma mina de prata, ou seja 40 siclos
de prata (cerca de 320 g). Nas leis de Hammurabi a pena era
de meia mina, i.é: 30 siclos (cerca de 240 g) de prata.
A legislação bíblica do livro do Êxodo determinava em casos
análogos: «Se um boi escorneia um homem ou uma mulher e
este morre: então o boi será apedrejado e sua carne não pode
ser comida; o dono do boi, porém, está livre. Mas se o boi já era
escorneador e seu proprietário, embora avisado, não vigiou o
animal e ele mata um homem ou uma mulher: então o boi deve
ser apedrejado e seu proprietário deve ser morto». 604
§ 55
141
dade. o dono do animal, contudo, não tomou providência
alguma. O animal mata a chifradas uma pessoa. Mas a vítima
neste parágrafo é um escravo. Devido à condição social inferior
da vítima, a sanção imposta é substancialmente inferior: 15
sidos (cerca de 120 g) de prata. No Código de Hammurabi, a
compensação imposta para o mesmo tipo de delito é 1/3 de
uma mina, i.é: 20 sidos de prata. 605Uma comparação entre os
§§ 54-55 das leis de Eshnunna com os seus paralelos no Código
de Hammurabi (§§ 251-252) mostra-nos uma diferença interes-
sante. Nos casos em que a vítima é um awilum, o § 54 de
Eshnunna impõe a pena de 2/3 de uma mina de prata e o § 251
de Hammurabi 1/2 mina de prata. Se a vítima é um escravo, o
§ 55 de Eshnunna pune com 15 sidos de prata, enquanto que o
§ 252 de Hammurabi exige 1/3 de mina, i.é: 20 sidos. As leis
de Hammurabi punem, pois, com mais rigor a morte de um es-
cravo; enquanto que,' em Eshnunna, as penas eram mais rigo-
rosas do que em Hammurabi para casos que envolviam a morte
de um awilum.
§ 56
142
ridades (ba-ab-tum a-na be-lí-su ú-se-di-ma: «o distrito infor-
mou o seu dono»). Mas o proprietário UR-OI7-su Ia i~-~ú-ur-ma:
«não vigiou o seu cão», Lé: não prendeu, nem amarrou o seu
cão. Por isso, esse proprietário é responsável pelos danos que
seu cão causar. O delito tratado no § 56 é caracterizado pelas
duas formas verbais is-su-uk-ma = «mordeu» (um pretérito O
da raiz acádica nasãku) e us-ta-mi-it
600 =
«causou a morte» (um
perfeito S da raiz mâtum). A pena imposta se a vítima for
609
§ 57
143
Lipit-Ishtar. 61. Se Hammurabi exige no § 252 1/3 de uma mina,
i.é: 20 siclos, pelo escravo morto, isto se deve provavelmente
ao fato de que, no tempo de Hammurabi, o preço de um escravo
se tinha elevado consideravelmente.
§ 58
614. Cf. W. von Soden, AHW, p. 1102a. Cf. tb. o Código de Ham-
murabi, § M e § 51.
615, Cf. p. ex.: L.Waterman, Business Documents of the Hammu-
rapi Period, London 1916, N° 33,13; R. Frankena, Briefe aus dem British
Museum, Heft 2, Leiden, 1966, No 19,12; F. R. Kraus, Briefe aus dem
British Museum, Heft 1, Leiden 1964, N° 120,13; E. Szlechter, Tablettes
Juridiques de Ia Ire Dynastie de Babylone, Paris, 1958, p. 107, N°
16.651,8.
616. Cf. J. G. Lautner, Altbabylonische Personenmiete und Erntear-
beitervertrage, Leiden 1936, p. 177-190; M. San Nicoló, Beitrage zur
Rechtsgeschichte im Bereich der keiJschriftlichen RechtsqueIlen, Oslo 1931,
p. 68s; B. Landsberger, «Die babylonischen Termini für Gesetz und Recht»
em Symbolae ad iura Orientis Antiqui pertinentes Paulo Koscha:ker de di-
catae, Leiden 1939, p. 219-234; F. R. Kraus, Ein Edikt des Kanigs Ammi
- ~aduqa von Babylon, Leiden 1958,' p. 194s; G. R. Driver-J. C. MiJes,
The Babylonian Laws, vol. I, p. 17-23.
617. Cf. G. R. Driver-J. C. Miles, op. cit., p, 19.
618. Cf. tb. §§ 239, 231, 232, onde a pena varia de acordo com a
posição social da vítima.
145
desmoronamento nas casas vizinhas. Sua única preocupação é
legislar para os casos em que o desastre causar a morte de um
awilum. No Código de Lipit-Ishtar encontra-se uma determina-
ção que lembra a «causa damni infecti» do direito romano. O § 11
das leis de Lipit-Ishtar responsabiliza o dono de um terreno pelo
roubo ocorrido na casa do vizinho, se ele tiver negligenciado
esse seu terreno adjacente e, embora avisado pelo vizinho, não
tenha cuidado de fortificar o muro ou fechar o terreno.'"
Uma comparação entre os §§ 54 e 56 de uma parte, e o
§ 58 de outra, nos leva naturalmente a uma pergunta: Por que
o rigor na pena aplicada no § 58? Quando a morte de um
awilum é causada pelas chifradas de um boi ou pela mordida
de um cão, o dono do animal é obrigado a pagar 40 sidos de
prata. Quando, porém, a morte de um awilum é causada pelo
desmoronamento de um muro, o seu proprietário é condenado
à morte. Aqui também os especialistas tentaram vários tipos de
resposta."'· Mas R. Yaron tem, certamente, razão quando pro-
cura a resposta na própria expressão 9imdat sarrim. A razão
6>l
146
§ 59
147
o divórcio da esposa que gerou filhos.623 O § 59 não fala nada
de ilegalidade ou nulidade do ato de divórcio. Apenas exige um
preço bem alto para o tipo de divórcio aqui caracterizado, como
se verá na interpretação da apódose.
Se a interpretação da prótase era simples, a apódose, ao
contrário, apresenta várias dificuldades gramaticais e textuais,
que dificultam a sua compreensão. A prótase mencionava dis-
tintamente três pessoas: o aw'ilum, a esposa repudiada e a nova
esposa. Na apódose, ao contrário, não é mencionada diretamente
nenhuma das três pessoas. Há apenas três verbos, cujos' sujeitos,
do ponto de vista gramatical, podem ser masculinos ou femininos.
Portanto qualquer uma das três pessoas introduzidas na prótase
pode ser sujeito dos verbos da apódose. O primeiro verbo
in-na-sa-ab- - um presente N da raiz nasãb-u - «será afastado»
e o terceiro verbo it-ta-Ia-ak - um perfeito G da raiz alãku -
acompanhado da partícula warki = «seguirá» foram integral-
mente transmitidos. Já o segundo verbo, introduzido pela partí-
cula relativa «sa», por causa de uma lacuna na tábua, foi
transmitido incompleto e deve ser completado por meio de textos
paralelos ou de uma conjectura textual.
Na edição «princeps» das tábuas «A» e «B», Goetze trans-
creve o texto cuneiforme: i-na bitim li ma-I [a i-b] a-su-ú
in-na-sà-ab--ma wa-ar-ki sa xxx it-ta-Ia-ak, mas sem tentar uma
reconstrução da lacuna. Na edição «standard» ele propõe a
624
623. Cf. The Laws of Eshnunna, p. 146: «But the implication c1ear1y
is that the divorce was willful and iIlegal, therefore invalido In consequence,
the second marriage was likewise invalid and the second wife had no
legal standing in the house».
624. Cf. Sumer 4 (1948), p. 90 e na p. 91 apresenta a tradução:
« . .. he shall be driven from his house and whatever he owns and go
after ... »
625. Cf. A. Goetze, The Laws of Eshnunna, p. 142 onde traduz:
«he shall beexpelled from (his) house and whatever (property) there
is and he will go after him who will accept him».
626. Cf. art. «Kleine Beitrage zum Verstandnis der Gesetze Ham-
murabis und Bilalamas», ALOL 17/2 (1949), p. 373. Para W. vou
Soden o "sujeito dos três verbos é o awIlum. Ele será afastado de sua
casa e de seus bens e poderá então seguir a mulher que ama.
\
148
restauração textual i-b [u-uz-z] u. 627Sua proposta foi seguida,
om pequenas correções, por B. Landsberger que transcreve o
texto: wa-ar-ki sa i-ib- [ha-zu l-ma it-ta-Ia-ak: «ele seguirá (a
mulher) com quem se casará ... ».'" P. Koschaker, seguindo
a leitura proposta por von Soden, chega a uma interpretação
totalmente diferente. Para ele os três verbos da apódose refe-
rem-se à segunda esposa: ela será afastada da casa de seu
primeiro marido e perderá tudo que tiver trazido, mas poderá
seguir o homem que ela ama. 62\l
E. Szlechter aceita a sugestão de Koschaker que a segunda
mulher é o sujeito dos verbos da apódose, mas apresenta uma
outra interpretação. "'" Para ele a finalidade do § 59 é regular a
situação financeira da segunda esposa. Na apódose propõe
a seguinte transcrição e tradução do texto: i-na bitim u ma- [Ia
i-ba ]-su-ú in-na-sà-ab-ma wa-ar-ki sa i-r [a-a] s-s [u] -ú it-ta-
la-ak: «... celle-ci sera privée de Ia maison et de tout ce qui
existe (des biens actuels); à l' avenir ce qu'il acquerra elle sui-
vra».631 Na interpretação de R. Yaron, o sujeito do primeiro
verbo da apódose - in-na-sà-ab = «será afastado» - é o
awilum. 6"" Mas o segundo e o terceiro verbos se referem à
esposa repudiada. O legislador concede a essa esposa repu-
diada pelo seu marido, que se casou com outra mulher, o direito
de casar de novo com o homem que ela amar. 633
Esta rápida visão panorâmica da literatura existente sobre
o § 59 nos mostra como é difícil uma interpretação definitiva
do parágrafo. A linguagem quase telegráfica da apódose e a
lacuna existente no texto tornam difícil sua compreensão. Com
149
Finkelstein julgamos que a leitura mais conforme os restos dos
sinais cuneiformes existentes na lacuna, no meio da apódose,
é i- [ra-am-mu] -ma, uma forma presente O da raiz râmu =
«amar» .••• Assim temos as três formas verbais in-na-sa-ag-ma.
i-ra-am-mu-ma e it-ta-la-ak. O problema é determinar o sujeito
desses três verbos. De acordo com o contexto, o sujeito mais
provável do primeiro verbo é o awilum que se divorcia. A lei
permitia, sem dúvida, a um awilum divorciar-se de sua esposa,
mãe de seus filhos. Mas esse awilum deveria, nesse caso, aban-
donar o seu lar e os seus bens. A casa e os bens ali existentes
ficariam em posse da mulher repudiada e de seus filhos. Uma
determinação análoga encontra-se no § 137 do Código de Ham-
murabi. 635 Este § 137 priva o homem que se divorciar de uma
sacerdotisa sugetum ou nadHum, que lhe deu filhos, da metade
de seus bens, que é entregue à esposa repudiada e a seus filhos.
O § 59 de Eshnunna parece mais rigoroso e estende o caso a
qualquer esposa repudiada que tenha gerado filhos a seu marido.
Mas o princípio é o mesmo, tanto no § 59 como no § 137 do
CH. Apenas a quantia varia. Por isso, não nos parece convin-
cente a opinião de Koschaker, que julga impossível que o legisla-
dor afaste o homem de sua casa, destruindo destarte a unidade
da família. As leis sumero-babilônicas conhecem outros casos,
63G
150
perderá casa e muro». 631Pode-se, pois, concluir que o sujeito do
verbo in-na-sa-al). = «será afastado» é, certamente, o awllum que
repudiou a mãe de seus filhos. Esta solução é do ponto de vista
gramatical possível e não há objeções sérias, sob o aspecto legal,
que nos obriguem a abandoná-Ia.
Na segunda parte da apódose a melhor reconstrução do
texto parece. ser sa i-ra-a [m-mu] -su ou, como quer Finkelstein,
sa i-ra-am-mu-ma. O significado é ess'encialmente o mesmo. A
segunda parte da apódose seria a cláusula wa-ar-ki sa i-ra-a [m-
mu] -su it-ta-Ia-ak. O sujeito dos dois verbos deve ser o mesmo.
R. Yaron propõe a tradução: «she (a esposa repudiada) may
go after bim whom she will love». 638Neste caso o legislador
concederia à esposa repudiada o direito de se casar novamente
com o homem que ela escolhesse. De fato, a cláusula warki sa
irãmmusu ittalak: «ela seguirá a quem amar» pode ser compa-
rada com a formulação «mut libbisa il).l).assi» = «o marido de
seu coração poderá tomá-Ia como esposa» dos §§ 137, 156 e 172
do Código de Hammurabi.
Nas leis assírias encontra-se também a expressão corres-
pondente «ana mut libbisa tussab»: «ela irá morar com o esposo
de seu coração».639 Parece, pois, ser uma tradição legal assiro-
babilônica conceder à esposa repudiada ou abandonada o direito
de contrair livremente um segundo matrimônio.
151
Como conclusão, pode-se dizer que a intenção do legislador
do § 59 era provavelmente punir o esposo que repudiasse a mãe
de seus filhos, afastando-o de sua casa e de seus bens, e, ao
mesmo tempo, conceder à esposa repudiada o direito de contrair
segundas núpcias.
§ 60
152
· arcial de completar o texto foi apresentada por W. von Soden <>U
642. Cf. art. «Kleine Beitrage zum Verstandnis der Gesetze Ham-
murabis und Bilalamas» em Archiv Orientalní 17/2 (l 949), p. 373:
33. [sum-ma] bitum te-us-ut [... ] awilim ...
34. [a?-na? na?] -$a-r·i-im i-ge?-ma: «[Wenn) ein
Haus der Unterhalt [ .... ] eines Bürgers ist. ..
[beim] Bewachen nachlassig ist und ... »
643. Cf. Les Lois d'Esnunna, p. 33:
33. [shum-ma] bitum te-u.-ut [ ... ] awilim
34. [a? -na na?] - ça-ri-im i-gi?-ma
35. [ ]
«Si Ia maison... d'un citoyen:
dans? Ia garde? il 'est négligent. .. »
644. Cf. The Laws os Eshnunna, p. 146:
33 [sum-ma] bltam te-gu-ut awIlim na-za-ru?
34 [iz-zu-ur-ma a-na na]-za-ri-im i-gi?-ma x x x
35 [ ]xxxxxxx
36 [ ] bi-su ba-Ium [ ] -su
37 [ ] x-si-im qa?-bi?-ir
«[If] a guard [guards] a house (which is) a
man's Iivelihood [but] is negligent in guarding
.jt and [the houseis broken into],
[the guard will be killed],
[ando ] unceremoniously
[in front of the bre]ach he will be buried».
645. Ct A. Goetze, The Laws of Eshnunna, p. 146.
646. Cf. A. Deimel, Sumerisches Lexikon, 11, vol. 1, p. 214, 99, 85.
Cf. tb, W. von Soden, AHW, p. 621a.
647. Ct W. von Soden, AHW, p. 191a.
648. Cf. W. von Soden, AHW, p. 816b. Cf. tb. W. van Soden, Grund-
riss der Akkadischen Grammatik, p. 61, 20a.
153
ip-pa-al-su: «o vIgIa da casa que foi arrombada». A pena im-
posta na apódose a partir dos dois sinais que sobraram na linha
36 deve ser [i-du] -uk-ku: «eles matarão» i.é: «será morto».
Depois da partícula ba-lum = «sem», Landsberger lê [qa] -ab-ri-
su: «sua sepultura», mas essa leitura não é evidente nem na
fotografia da tábua, nem na cópia de Ooetze. Na última linha
da apódose, a conjectura [i-na pa-ni pi] -il-si-im: «diante do
lugar do arrombamento» é bastante provável.
Se o texto reconstruído por B. Landsberger corresponder
em suas linhas gerais ao texto original, a intenção do legislador,
neste parágrafo, será punir um vigia negligente, que durante o
seu tempo de guarda não evitou um roubo na casa vigiada por
ele. A pena é severíssima: ele será morto e enterrado diante do
buraco feito no muro, por onde o ladrão penetrou na casa. Um
paralelo longínquo ao § 60 encontra-se no § 21 do Código de
Hammurabi: «Se um awIlum abriu uma brecha em uma casa:
matá-lo-ão diante dessa brecha e o levantarão» .••• Mas no § 21
a pena é aplicada ao ladrão. A interpretação do § 60 continua,
pois, objeto de discussão. Somente novos textos paralelos, que
futuras campanhas arqueológicas tragam à luz do dia, poderão
ajudar-nos a encontrar o sentido exato deste parágrafo legal.
154
111. O texto cuneiforme em transcrição
[ ) x U4.21.KAM
2 [ ) x DEN.LíL.LÁ DNIN.A.ZU
"v ki
3 [ ) x NAN.LUGAL ES.nun-na
4 [ ) x.A É.AD.DA.A.NI.SE
5 [ .. . . . . .. ) x RA .A. M S'
. u-pu-ur D sarnas
v Vk'1
íD
6 [ ) x BAL.RI.A IDIGNA
GIs
7 [ .... ) MU.1.KAM TUKUL.KALAG.GA. BA.AN.DAB
-: :: <A» [ 8-[7
_ G "R sE a-na 1 GíN KÚ.BABBAR
~ StLA 1.SAG a-na 1 GíN KÚ.BABBAR
3A.'\í 2 SiLA LGIs a-na 1 GíN KÚ.BABBAR
3A: 5 SiLA i.SA~ a-na 1 GíN KÚ.BABBAR
-= 3.-\.: Li D a-na 1 GíN KÚ.BABBAR
= =a-na SíG a-na 1 GíN KÚ.BABBAR
-.: oCR NUN a-na 1 GíN KÚ.BABBAR
- _ ---R NAGA a-na 1 GíN KÚ.BABBAR
- .= -2-na URUDU a-na 1 GíN KÚ.BABBAR
- _ :=:a-na URUDU ep-surn a-na 1 GíN KÚ.BABBAR
155
§ 3: «A» I 21-23
§ 4: «A» I 23-24
§ 5: «A» I 25-26
§ 6: «A» I 27-28
§ 7: «A» 28-29
2 BÁN sE Á sE.KUD.KIN
29 sum-ma KÚ.BABBAR 12 sE ABI
§ 8: «A» I 29
1 BÁN sE Á za-ri-i
§ 9: «A» I 30-33
«B» I 1-3
1 [ ] x
2 [ J i-i?a-ab-ba-tu
3 [ J ú-ul i-ba-al-Iu-ut
«B» I 4-7
157
11 KO.BABBAR se-a-am SíG LGIs a-di ma-di/ti-im ú-uI
i-ma-l].a-ar
§ 16: «A» II 1
1 DUMU.LÚ Ia zi-z[u ]
«B» I 12
«B» I 13-18
«B» I 19-20
10 sum-ma Lú x [ .. ] a-na x x x x
11 id-di-in-ma se-a-am a-na KÚ.BABBAR i-te-pu!-u [s]
12 i-na e-bu-ri se-a-am ti MÁs.BI 1 GUR 1 PI 4 B [ÁN]
13 i-Ie-eq-qé
159
§ 26: «A» II 29-31
«8» II 1-2
1 [ ri-]ik-sa[-tim ]
2 [ ] ti um-mi-sa is-ku-un-ma i-u.[u-us-si ]
«8» II 3-7
160
§ 30: «A» 1145-487 (I1I 17)
[sum-ma] LÚ a_alki
46 [ ] it-ta-bi-it
47 [ ]
48 7 III 1 (7) [ ]
«B» 118-10
3 [ ] x
4 id- [ di- ] i [n-ma ] -na
5 tar-b[i] -it DUMU-su t [LÁ.E DUMU-su] i-ta-ar-ru
«B» II 13-15
«B» II 16-18
«B» II 19-23
«B» II 24-I1I 6
.162
25 a-na ma-~a-ar- t·1m I'd - d'I-m-ma
. E. TUM 1a pa- l'1-1S
.v
26 si-ip-pu Ia l].a-li-is a-ap-tum Ia na-as-l].a-at
27 bu-se-e ma-~a-ar-tim sa id-di-nu-sum ul].-ta-aI-li-iq
28 bu-se-e-su i-ri-a-ab-sum
1 sum-ma É LÚ Iu-uq-qú[-ut] it-ti bu-se-e LÚ [ma-~a]-ar-tim
2 sa id-di-nu-sum l].u-Iu-uq be-eI ~Él].a-li-iq
3 b e-e 1·E TIM l-na
. K'A DT·vIspa k lll-IS
.·v DINGIR' I-za- k ar-sum-ma
v
sum-ma LÚ i-ni-is-ma
26E-su ana Kú'.BABBAR it-ta-di-in U4-um sa-ia-ma-nu
27 i-na-di-nu be-eI E i-pa-tà-ar
163
«B» III 12-13
164
§ 44/45: «A» 11I 36-38
«B» IV 1-3
2 [ ] te-] er-tim
3 [ ] SAGJR l].a-al-qá-am
165
4 [ ] OUD ba-aI-qá ANsE ba-aI-qá-am
5 i [9-ba-a] t-ma [a-n] a es-nun-naki Ia ir-di-a-am-ma
6 l-na
. . v
E-su-ma I'k - tI'a- a E. OALLUM v ,
su-ur-qa-am
7 it-ti-su i-ta-wi
«B» IV 6-10
10 u-se-te-eq-ma
' v • OALLUM
E. v
su-ur-qa-am I·t - t'I-SU
v • t a-wI '
1-
«B» IV 11-13
«B» IV 14-16
166
§ 53: «A» IV 13-15
«B» IV 17-19
PI
DU7
sum-ma GUD DU7 - ma
16 ba-ab-tum a-na be-lí-su [ú ]-se-di-ma GUD-su Ia ú-si-ir-ma
17 Lú ik-ki-im-ma us-ta-mi-it be-eI GUD
18 2/3 ma-na KO.BABBAR LLAE sum-ma SAG.iR ik-ki-im-ma
19 us-ta-mi-it 15 GíN KO.BABBAR LLAE
«B» IV 20
20 [ ] be-lí-su
167
§ 59: «A» IV 29-32
33 su[m-m]a LÚ.EN.NUN
34 ['É i-na na] -I?a-ri-im i-gu-ma pa-al-li-su
35 [É ip-Iu-us] LÚ.EN.NUN É sa ip-pa-al-su
36 [x-x-x i-du ]-uk-ku ba-Ium [qa] -ab-ri-su
37 [i-na pa-ni pi] -il-si-im iq-qa-bi-ir
168
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1M. 51059, Anverso
1M. 51059 J Reverso
Z 1
?<;;;;i2
1M. 52614
, Anverso
1M. 52614, Reverso
2 '3
zt; !
5t